Resumo:
Esta Tese traz, como tema, as funções da escola nos discursos da UNESCO, no recorte
temporal, que se inicia em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, até o ano de 2022, com o último Relatório da UNESCO, intitulado Reimaginar Nossos Futuros Juntos: um Novo Contrato Social para a Educação. A escolha desse tema surge a partir de reflexões sobre o papel da escola na Contemporaneidade e suas articulações com a racionalidade neoliberal, essa condição de governamentalidade que normatiza e naturaliza instituições e suas práticas sociais a partir de princípios voltados para o empresariamento dos sujeitos, que passam a ser constituídos pela lógica do capital humano. A escolha da UNESCO, como principal instituição enunciadora, pela qual se atravessam feixes de relações de saber-poder a respeito do papel social da escola, justifica-se pelo lugar de chancela e validação internacional dessa organização, que é considerada uma das principais e mais importantes referências normativas, regulamentadoras e orientadoras das políticas educacionais em todo o mundo. Considerando o tema e a hipótese inicial de que há deslizamentos conceituais e ressignificações, ao longo do tempo, em aspectos considerados caros ao contexto educacional — como “direito universal”, “cidadania”, “igualdade”, “formação integral”, “desenvolvimento humano”, “transformação social”, “educação permanente” —, apresento, nesse estudo, o seguinte problema: que discursos sobre as funções da escola são produzidos e veiculados pela UNESCO? Como essas funções vão sendo ressignificadas a partir das descontinuidades engendradas na e pela racionalidade
neoliberal? E, para investigar tais problemáticas, proponho, como objetivo geral, analisar em documentos da UNESCO os discursos sobre as funções da escola. Para tanto, os objetivos específicos são: a) rastrear documentos potenciais da UNESCO para a identificação de seus discursos sobre as funções da escola; b) compor o corpus empírico da pesquisa a partir da seleção dos documentos rastreados; c) escavar e descrever as continuidades e descontinuidades dos discursos da UNESCO sobre as funções da escola; d) analisar os enunciados sobre as funções da escola, nos textos que compõem o corpus empírico, considerando as relações de saber-poder engendradas na e pela racionalidade (neo)liberal. Inspiro-me nas teorizações de Michel Foucault e de outros estudiosos que também transitaram por sua oficina de trabalho, concebendo a história como trama narrativa e o documento como monumento. Transito pelo domínio arqueológico, na medida em que busco escavar os discursos da UNESCO, descrevendo
os acontecimentos a partir das condições de possibilidade. Mas também exploro o domínio genealógico, na medida em que analiso e problematizo as relações de poder dos enunciados da UNESCO e seus engendramentos na e pela racionalidade neoliberal. Para uma melhor sistematização, os achados desta pesquisa foram organizados nas seguintes categorias de análise: 1. Educar para a Democracia e Cidadania; 2. Educação Permanente e de Uma Cidade Educativa; 3. Educar para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem; Educar para o Capital Humano (aprender a conhecer, a fazer, a conviver, a ser); 4. Educar para o Desenvolvimento Humano, Sustentável e Inclusivo; 5. Educar para a Cidadania Global e os Desafios da Transformação Social; 6. Educar para uma Sociedade Solidária e Colaborativa. E, por considerar o neoliberalismo, uma racionalidade capilarizada em todas as esferas da vida e também na educação, ancoro-me em estudos de Ball, Brown, Dardot e Laval, Gadelha, Klaus, Lopes-Ruiz, Sennett, que, em convergência com as abordagens foucaultianas, me ajudam a compreender esse conjunto de saberes que fabricam um novo modo de governo dos homens,
marcado pelo princípio da concorrência, do empresariamento de si mesmo, da lógica do capital humano.