Resumo:
O presente trabalho tem o objetivo de investigar as relações entre dignidade e autonomia na filosofia moral de Immanuel Kant. Uma vez que para Kant, a autonomia é o fundamento da dignidade humana, o problema investigado é colocado a partir da indagação acerca do status moral de seres humanos incapazes de agência racional autônoma. Na medida em que a concepção de dignidade kantiana está vinculada à
autonomia e à moralidade, faz-se necessário uma investigação atenta às diferentes interpretações da ética kantiana relativa à extensão do status moral de indivíduos humanos. Na esteira desse problema desdobra-se a problematização acerca do conceito de pessoa como condicionante ou não para atribuição de dignidade a seres humanos que por ventura não sejam capazes de agência racional com autonomia. Esta dissertação procura investigar, a partir dos escritos éticos kantianos, elementos que possam iluminar o problema referido à luz da interpretação de comentadores da obra de Kant. O trabalho se divide em três capítulos. O primeiro procura apresentar a problemática da dignidade kantiana em uma aparente dissonância com o paradigma contemporâneo de dignidade, presente principalmente no âmbito do discurso dos direitos humanos. No segundo capítulo, o trabalho ocupa-se em apresentar um panorama geral da ética kantiana a fim de entender e discutir como as concepções de autonomia e dignidade de Kant estão vinculadas e o quanto estão ou não em sintonia outros postulados kantianos. Durante esse percurso discute-se como dignidade e autonomia se relacionam com o imperativo categórico, especialmente com a Fórmula da Humanidade, analisando uma aparente tensão entre personalidade e humanidade no seio da ética kantiana. No último capítulo, o texto versa sobre algumas tentativas de responder ao problema de conferir status moral a seres humanos incapazes de agência racional autônoma na filosofia moral de Kant. É feita a exposição crítica das interpretações de Allen Wood, Onora O’Neill, Patrick Kain, Oliver Sensen, Doris Schroeder e Paul Formosa. As contribuições teóricas desses autores são confrontadas entre si, na tentativa de clarear melhor as dificuldades enfrentadas pela teoria kantiana. Conclui-se que há divergência significativa entre alguns intérpretes de Kant, não havendo pleno consenso sobre se a dignidade humana se estende para além daqueles indivíduos incapazes de agência racional autônoma. Ao que tudo
indica, parece haver aqueles que advogam por uma interpretação inclusiva da
dignidade, no qual todos os seres humanos são pessoas e possuem igualmente status
moral, independentemente de sua capacidade para a autonomia, enquanto outros
tendem a uma interpretação restritiva, dando maior ênfase ao papel da autonomia e
agência moral, o que se segue que nem todos seres humanos são pessoas, logo não
possuem o mesmo status moral ou dignidade. Não parece estar muito claro, portanto,
em que medida a concepção de dignidade kantiana está ou não em sintonia com a
visão contemporânea de direitos humanos ao postular que todo ser humano possui dignidade. O tema, embora controverso, parece fundamental para aqueles que consideram que a ética kantiana oferece uma alternativa teórica e prática frente aos dilemas morais contemporâneos.