Resumo:
Esta dissertação tem como objetivo analisar, simultaneamente, em que medida os conflitos territoriais envolvendo os Guarani e Kaiowá e o agronegócio no Mato Grosso do Sul são contextos propícios para a ocorrência de crimes de atrocidade e são motivados pela lógica colonial. Apesar das conquistas jurídico-formais que apontam para o reconhecimento de suas particularidades, os conflitos envolvendo indígenas e ocupantes de terras têm-se agravado nos últimos anos e têm sido marcados por episódios de extrema violência, notadamente no Mato Grosso do Sul. As investidas contra os habitantes originários têm íntima relação com a ampliação da ocupação de terras na região, destinadas fundamentalmente à monocultura de exportação de commodities, à pecuária intensiva e à indústria sucroalcooleira nas áreas em disputa. Percebe-se, com isso, uma tendência de vulnerabilização dos povos indígenas. Para realização do estudo, são apresentadas como teoria de base e ferramental analítico a perspectiva descolonial e o Framework of Analysis for Atrocity Crimes. A primeira compreende a colonialidade como constitutiva da modernidade, como uma forma de articulação de uma matriz de poder calcada na hierarquização racial dos sujeitos, na premissa de que somente o conhecimento científico-moderno é válido e na inferiorização das subjetividades não-modernas. Sua permanência até os dias de hoje se revela na negação da diferença e na busca por eliminá-la. O segundo consiste num documento elaborado pela ONU, cuja finalidade é de avaliar a presença de fatores de risco para crimes de atrocidade [genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e limpeza étnica]. O trabalho consiste num estudo crítico diagnóstico, valendo-se de pesquisas bibliográfica, legislativa, documental e visitas in locu. São explorados elementos territoriais dos povos Guarani e Kaiowá e de sua história no contato com os karaí [não-índios] para explicitar a subsistência de um padrão de tratamento que deixa de levar em consideração suas particularidades culturais e viola as legislações nacionais e internacionais. Como resultados, foram encontrados diversos indicadores de fatores de risco para crimes de atrocidade, que consistem em: discriminações estruturais de iniciativa pública e privada, intimamente relacionadas pelo poder político-econômico do agronegócio; privações e violações de direitos humanos básicos, muitas delas decorrentes da não-regularização da questão fundiária indígena; um histórico consistente de violências, ataques e assassinatos; e a manutenção de um imaginário que inferioriza as identidades indígenas por sua diferença como estratégia de desapropriação territorial pelo projeto colonial. Para a superação destes impasses, deve-se buscar respostas na construção de um projeto outro, que lide com a diferença de modo horizontal e, de modo mais imediato, na demarcação dos territórios ancestrais dos povos originários.