Resumo:
Novos fenômenos jurídicos - em que setores sociais passam a criar suas próprias regras em subsistemas pretensamente autônomos - desafiam as concepções clássicas do direito. Tais processos, na atual fragmentação dessa esfera, parecem se destacar, e mais do que isso, de forma crescente passam a confrontar a onipotência dos Estados e seu monopólio legal, pondo em xeque inclusive a soberania estatal. Com o cenário que se descortina, a presente pesquisa então selecionou a análise de um ordenamento jurídico-desportivo singular produzido por uma entidade esportiva privada internacional, a Federação Internacional de Futebol - do francês: Fédération Internationale de Football Association (FIFA). Esse regime jurídico transnacional influencia e ao mesmo tempo questiona o poder estatal, o que se pretendeu demonstrar teórica e empiricamente pela resolução sui generis de conflitos normativos. Para tanto, promoveram-se uma digressão histórica acerca da FIFA e um estudo sobre sua normatividade transnacional - denominada FIFA’s law ou lex FIFA - a partir dos limites impostos pelo país-sede da entidade (Suíça) e pela União Europeia, que representa, talvez, a última alternativa de unidade do direito e uma ameaça àquele sistema jurídico setorial. A lex FIFA, por meio de seu fechamento operativo, criou para si uma esfera na qual é livre para intensificar sua racionalidade, sem levar em conta outros sistemas sociais ou o ambiente no qual se insere. Essa dependência estreita à sua respectiva área social especializada, sem legitimidade universal, acarreta efeitos colaterais e corrupção sistêmica, com relativa fraqueza das garantias do Estado de Direito, aguçando igualmente a pesquisa sobre a (i)legitimidade desta normatividade global. Por fim, a pesquisa concentrou seu foco no estudo de casos sobre a influência e o poder da lex FIFA sob duas diferentes vertentes, quais sejam, a aplicação direta das normas desportivas transnacionais pela jurisdição estatal Brasileira, a partir de sua visão (clássica) do direito internacional; e o conflito entre a normatividade desportiva global e a estatal na perspectiva transnacional, que não encontra guarida no direito internacional e se traduz, em última análise, no embate entre distintos subsistemas e racionalidades. Do estudo de casos de colisões entre os diferentes regimes jurídicos (esportivo e estatal), percebeu-se uma nova e intrigante forma de resolução de conflitos, distante da compreensão dogmática usual - quiçá, uma perversão do direito, o que envolve a complexidade da sociedade atual. A opção metodológica principal foi o estudo de casos, e como referencial teórico, recorreu-se a Gunther Teubner e sua visão sistêmica e pluralista acerca dos novos fenômenos jurídicos transnacionais que aponta para a perda da centralidade política dos Estados, sendo paulatinamente substituída por formas despolitizadas de governança global, como, por exemplo, as organizações privadas transnacionais como a FIFA, enfatizando novas formas de resolução de conflitos normativos.