Resumo:
É na esteira do Direito Civil-Constitucional que emerge a necessidade de uma revisão de categorias jurídicas, haja vista que o Direito não logra mais o êxito de ser analisado em separado das outras ciências. Os dilemas da contemporaneidade colocam em xeque conceitos tradicionais, exigindo do intérprete-aplicador jurídico uma nova postura, afastada da mera subsunção normativa e com um olhar sistemático, em conjunto com diversos campos do saber, ou seja, em uma perspectiva interdisciplinar. Um dos casos mais recentes que desafiou o sistema jurídico brasileiro foi o julgamento da ADPF nº 54, de 2004, pelo Supremo Tribunal Federal. Sinteticamente, o Plenário da Corte julgou procedente o pedido contido na Ação ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), para declarar a inconstitucionalidade de interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada pelo Código Penal. Vislumbra-se que há uma ambiguidade nos critérios de início da vida e de determinação da morte. Ocorre que produzir uma definição para a vida e a morte é, principalmente, uma tarefa de cunho filosófico e a escolha dos critérios para a sua determinação não é jurídica, conquanto seja um assunto médico. Além do argumento da morte cerebral, é comum a consideração de uma incompatibilidade de vida extrauterina do feto anencéfalo, assim como há quem defenda que não se está a falar em aborto nestes casos, mas sim em uma antecipação terapêutica do parto, porquanto o feto só poderá estar vivo ao longo da gestação, sem possibilidade de vida após o nascimento. Este tema coloca ao jurista o desafio de quebrar o paradigma de discurso que insiste em ser dicotômico e conceitualista, para assegurar e promover a dignidade daqueles que não se inserem em modelos generalizantes, cuja proposta é oferecer respostas prévias para o futuro. Eis a proposição a ser partilhada com base nos estudos de gênero, argüindo-se a reflexão quanto à possibilidade de interseção destes como meio possível de se pensar no aborto em geral e, fundamentalmente, nos casos de anencefalia, a partir da ótica dos Direitos Humanos das mulheres, sendo um tema que requer urgência bioética e jurídica, contemplando-o como um manifesto pela dignidade.