Resumo:
A pesquisa em questão propõe-se a ser um instrumento para analisar a judicialização da saúde, através do estudo crítico da fundamentação nas decisões judiciais dos casos específicos de judicialização da definição do receptor de órgãos na Lista Única de Espera para Transplantes, mediante a perspectiva da matriz teórica sistêmica. Por isso, aborda-se a autonomia do sistema da saúde para a definição do receptor, as organizações do Sistema Único de Saúde e do Sistema Nacional de Transplantes que fornecem suporte para tal autonomia, bem como resta aprofundada a análise acerca da Política Nacional de Transplantes, como forma de enfrentamento da complexidade advinda da escolha do potencial receptor e de manutenção do cumprimento da função do sistema, qual seja: a consecução da saúde. Também, busca-se observar o sistema do direito como o sistema da estabilização de expectativas normativas e inferir que a operacionalidade do sistema jurídico deve se pautar por uma atuação fundamentada no código binário e nos programas, o que redunda na constatação de que os juízos de verossimilhança que autorizam a precedência do requerente na Lista Única para Transplantes não são fundamentados na norma, mas exclusivamente na vontade do julgador e, dessa forma, resta prejudicada a consecução do direito à saúde via transplante de órgãos, direito que merece ser tutelado através da interrelação sistêmica entre o sistema do direito e o sistema da saúde. Ainda, salienta-se a necessidade de observância do código binário do sistema do direito e do sistema da saúde na tutela do direito à saúde, afastando assim a corrupção sistêmica advinda de decisões judiciais que não contemplam o seu esquema binário e, por consectário, identificando a autonomia do sistema da saúde como sistema competente para definir o receptor e para sopesar os critérios clínicos de urgência, indicando a prioridade na realocação dos pacientes que integram a Lista Única. Além disso, a decisão judicial advinda da definição do receptor deve observar a política pública, que advém de decisão de vinculação coletiva do sistema político, a fim de elidir pretensões abusivas, como delineado nas decisões favoráveis à definição do receptor pelo sistema do direito, representando risco de lesão à ordem pública administrativa, posto que ignoram os critérios clínicos de seleção estabelecidos na Política Nacional de Transplantes. Procura-se demonstrar que a decisão judicial que defere a priorização do requerente em detrimento do paciente definido pelo sistema da saúde é o símbolo de uma corrupção sistêmica, haja vista o sistema do direito estar decidindo com base no código binário doença/enfermidade (definindo o potencial receptor), quando sua interferência deve ocorrer em casos de ilegalidade na implementação da política pública dos transplantes, através do código direito/não-direito, perpetrando a diferenciação na decisão judicial.