Resumo:
O estudo investiga duas posturas que deformam a interpretação do direito no Brasil e propõe a solução para resolver esse problema. Identifica, em ambas, o decisionismo fundado na vontade de poder, rompendo-se a normatividade. Na cúpula, sob a ideia do Judiciário como corporação, e a pretexto de maior eficiência, mas na vontade do Mercado, são importados institutos que, pretensamente, seriam da common law, mas que estão fora do contexto de sua criação e são aplicados de maneira deturpada, ou por não guardarem as especificidade do caso concreto ou por se descolarem na normatividade, constituem exercício escamoteado da vontade de poder. Súmulas, vinculantes ou não, e pretensos precedentes geram violência contra a independência funcional do magistrado de instâncias inferiores e contra as partes, pois a atribuição de sentidos não advém do caso concreto. Nas bases do Judiciário, nosso estudo investiga a predominância da aceitação acrítica e obediente desse common law à brasileira, expresso em súmulas e em enunciados assertóricos abstratizados. Criam-se mimetismos. Contudo, nossa formação histórica autoritária e estamental impede a percepção de que há uma diferença ontológica entre potestas e potentia - de que um não subsiste sem ou outro sem que se torne poder ilegítimo. Assim, nas bases o fenômeno do decisionismo subsiste como prática suplementar, numa aprendizagem por observação das cúpulas - a modelagem, criando-se ou se aderindo a princípios ad-hoc e a conceitos assertóricos. Tanto verticalmente (hierarquização - solipsismo da cúpula para as bases) quanto horizontalmente (solipsismo pelas bases), rompe-se a autonomia do direito, seja pela política, seja pela economia. "Liberdade do intérprete" como pretexto para a libertinagem normativa. "Eficiência econômica" como deficiência normativa. Outrora, o discurso patrimonialista em prol dos estamentos. Hoje, o discurso econômico neoliberal. Invade-se o direito pela economia, dessa vez em forma de Cavalo-de-Tróia: a análise econômica do direito - AED. Substitui-se a normatividade pelo utilitarismo mercadológico. Os pré-juízos inautênticos que sustentam essa dupla deformação hermenêutica nascem de um condicionamento operante (estímulo-reforço) dos profissionais do direito, desde os bancos de faculdade até a atividade profissional e, atingindo, em especial, seu principal destinatário: o magistrado. Esse discurso de poder produz realidades - tetos epistemológicos que encobrem o fato de que: a) só há interpretação no caso concreto porque não existem conceitos desprovidos de faticidade; b) não cabe argumento de autoridade para além da normatividade; c) a importação de teorias estrangeiras precisa sofrer um processo de compatibilização com nossa realidade jurídica, social, política e econômica. A partir do giro ontológico-linguístico, com a superação do esquema sujeito-objeto da filosofia da consciência e a consideração da diferença ontológica (ser e ente; texto e norma), dá-se o desvelamento da interpretação como existencial, e de que os sentidos não advêm da vontade do sujeito autônomo da modernidade, mas de uma intersubjetividade, de uma verdade que advém da fusão de horizontes dentro de uma tradição, bem como da importância da integridade e coerência do direito. A resposta constitucionalmente correta não pode depender da consciência do juiz, do livre convencimento, da busca da "verdade real". Decidir não é, definitivamente, escolher.