Resumo:
O cenário jurídico brasileiro contemporâneo vive o dilema entre a busca por eficiência e a busca por efetividade. A eficiência forja um modelo de justiça prioritariamente preocupado com a velocidade da prestação jurisdicional, enquanto a efetividade forja um modelo de justiça em que a principal preocupação consiste no cumprimento das garantias fundamentais constitucionais. O trabalho tem como objetivo problematizar a experiência dos Juizados Especiais Federais (JEFs) a partir deste paradoxo. Em face do aumento do número de conflitos, consequência do modelo econômico-jurídico neoliberal, o judiciário adota mecanismos capazes de absorver a crescente demanda por justiça. Para tanto, institui vias jurisdicionais alternativas, como os JEFs, além de outras medidas voltadas à informalização do judiciário. O procedimento dos juizados se diferencia daquele existente na justiça comum, principalmente, devido às seguintes características: informalidade, celeridade, simplicidade, oralidade e consenso, características que a doutrina, de modo acrítico, denomina como ?princípios dos Juizados Especiais?. Estas características são consideradas positivamente por significativa parte da doutrina, pois perfilam um modelo de justiça mais próximo dos cidadãos. Contudo, deve-se fazer uma ressalva: a excessiva informalidade põe em risco a garantia ao devido processo, o que pode tornar o procedimento inconstitucional. O direito em geral, bem como o Poder Judiciário em especial, sofrem influxos (in)diretos do discurso eficientista neoliberal, devido à influência paranormativa exercida tanto pelos órgãos de fomento econômico (Banco Mundial), como pelos grupos formados por grandes empresas privadas. O Estado incorpora as recomendações provenientes destes atores para que as leis e a justiça não sejam um obstáculo aos investimentos econômicos. Um exemplo disso é a Emenda Constitucional 45/2004, que adere às recomendações contidas no Documento Técnico 319 S de autoria do Banco Mundial. O modelo de justiça neoliberal exige que o judiciário seja eficiente, produtivo e previsível para que os atores econômicos possam adotar um comportamento estratégico e seus interesses não sejam obstaculizados pela burocracia judiciária. Desse modo, a preocupação com a eficiência se sobrepõe à preocupação com a qualidade (efetividade) da prestação jurisdicional. Estas tendências são significativamente perceptíveis no âmbito dos JEFs. Quando os juízes interpretam os ?princípios dos Juizados Especiais? por um viés eficientista, o procedimento é informalizado para consagrar um modelo de justiça pautado pelo mercado e não para concretizar um modelo de justiça de proximidade, voltado à efetivação dos direitos constitucionais. A compreensão dos princípios a partir da hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer, do direito como integridade de Ronald Dworkin e da teoria da decisão judicial de Lenio Streck impede uma interpretação pragmático-eficientista do procedimento dos JEFs, assim como desmitifica a ideia de que os critérios dos Juizados podem ser considerados princípios. A partir destas aproximações, os critérios dos juizados não podem ser aplicados de modo discricionário e devem assumir a condição de textos jurídicos, cujos sentidos serão determinados de acordo com o caso concreto em análise, conjuntamente com as práticas jurídicas adotadas pela comunidade, de modo que o conjunto de práticas jurídicas forme um todo coerente. Este é o caminho para a democratização do acesso qualificado à justiça, compromissado com respostas constitucionalmente adequadas.