Resumo:
A poética de Fernando Pessoa nos abre um caminho de possibilidades para se
compreender o ser e estar-no-mundo do Dasein, numa perspectiva de diálogo entre
poesia e filosofia, tendo por fundamento a ontologia hermenêutica de Martin
Heidegger. Nos desvelamentos dos fenômenos presentes da poesia de Fernando
Pessoa, deparamo-nos inevitavelmente com um aspecto peculiar de sua arte literária:
a criação dos heterônimos. Na criação heteronímica, Fernando Pessoa investiga o
sentido de sua existência-humana-no-mundo e pauta os seus questionamentos
existenciais na tentativa de buscar o eu mais profundo em outros eus presentes em
si, a partir de vários heterônimos. Em sua proposta heteronímica, Fernando Pessoa
se multiplica em outros eus, tornando-se poeta em poetas. De fato, o processo de
heteronímia faz surgir em Pessoa o sentimento de angústia diante da crise existencial,
que se instaura no âmago do poeta: ser-outros para além da criação literária. Neste
sentido, funda-se a nossa tese: há uma configuração de eus em Pessoa que vai além
de uma estratégia literária ou estética em sua construção poética. A heteronímia é, na
verdade, uma condição ontológica de Fernando Pessoa em sua autocompreensão de
si mesmo, enquanto Dasein, que é, no mundo com os entes e diante das facticidades
que a existência lhe impõe. Neste contexto, a filosofia de Heidegger auxilia-nos a
compreender este processo ontológico em Fernando Pessoa, tendo em vista os temas
ser, ser-no-mundo, existência, angústia e morte presentes nos versos e no contexto
vital do poeta português. Como Heidegger argui que, na linguagem poética, o ser se
desvela e se mostra de modo autêntico, a poesia de Fernando Pessoa nos mostra
efetivamente o desvelamento de seu próprio ser, em meio aos versos de um
heterônimo, que, segundo os diversos críticos literários, se lhe apresenta como uma
espécie de autorretrato por possuir traços, inclusive ontológicos, reveladores da
existência do poeta no mundo. Este heterônimo é Álvaro de Campos, que, por meio
de sua proposta poética, expõe sua crise existencial na tentativa de descobrir seu
verdadeiro eu profundo, enquanto heterônimo e, consequentemente, de Fernando
Pessoa, enquanto seu criador. A tese corrobora que há um caminho viável para a
investigação do sentido do ser do poeta, em sua angústia existencial, mediante o
diálogo aberto e criativo da filosofia e poesia na obra de Fernando Pessoa,
especialmente no recorte que fizemos a partir da poética de Álvaro de Campos, o
heterônimo, desvelador do eu-profundo do poeta criador de outros eus.