Resumo:
Esta pesquisa tem como tema central o paradigma da guerra civil, que é singular para compreender as complexas relações existentes entre o processo de politização da vida e o projeto de governamentalidade em curso na sociedade hodierna. A investigação realiza-se no diálogo com as reflexões do autor italiano Giorgio Agamben e com as pesquisas realizadas por Michel Foucault, no Collège de France, nas quais podemos pensar o problema bélico da atualidade para além das normas do Direito Internacional, como uma ameaça constante e ilimitada, conformando um verdadeiro dispositivo biopolítico de gerenciamento da complexa ordem mundial em curso. A pesquisa analisa como o projeto moderno, guiado por uma razão instrumental, fundamentado a partir do ideal de pacificação social, instituiu, na era westfaliana, um novo senhor da paz e da guerra: o Estado. E sinaliza como esse gládio da guerra encontrou justificação nas teorias de Jean Bodin e na perspectiva contratualista de Thomas Hobbes. O Leviatã, com a prerrogativa de cessar a guerra de todos contra todos, passa a ser o portador da espada da guerra e da justiça. Todavia, essa ordem jurídica, postulante de uma igualdade entre Estados, de uma divisão entre os inimigos internos e externos, encontrou, como aponta Carl Schmitt, no século XX, sua crise definitiva. O estudo mostra como as guerras perderam sua formalidade jurídica e passaram de ações militares a meras operações policiais. Tais condições são acompanhadas pela crise das categorias fundamentais do Ocidente, que tomam um sentido fugaz em nosso tempo, e pela prevalência de relações meramente econômicas (oikonômicas), baseadas apenas no estatuto biológico. Tão logo a vida enquanto tal é inserida nos cálculos do poder, a guerra civil assume a forma doméstica, de um terrorismo mundial. Diante do exposto, a hipótese principal desta pesquisa é pensar a emergência da guerra civil, de maneira conexa e correlata ao estado de exceção, como um dispositivo bio-necropolítico de governo da vida. Essas mudanças nos rumos da beligerância foram amplamente fundamentadas na contemporaneidade pela retórica da “guerra ao terror”, cujo discurso criminalizante rompeu as barreiras impostas pelo direito de guerra, assumindo a forma de uma mundialização das técnicas de contrainsurgência. O princípio desse conflito anômico, marcado pela indeterminação jurídica, é o discurso da segurança, como mote para exercer um controle cada vez maior sobre a população. A investigação aponta que o paradigma do Estado securitário permite-nos compreender com maior nitidez a complexidade dessa guerra civil contemporânea, que realiza um trânsito pelas engrenagens de uma máquina governamental, articulando-se entre dois polos: o da soberania e o do governo. Entre estratégias de controle, condução de condutas e práticas de excesso e de coerção explícita, no limiar de indistinção entre conceitos como guerra e paz, interior e exterior, norma e exceção, a sociedade contemporânea é marcada pelo progresso de uma guerra civil anômica, fora dos parâmetros convencionais, como uma prática de polícia mundial, de governo da vida em escala global.