Resumo |
A Guerra do Paraguai (1864-1870) foi marcada pelas disputas territoriais típicas da política dos Estados-nação do século XIX. Para além de se estabelecer militar e territorialmente, é parte dessa lógica se apropriar dos ambientes e dos povos que vivem nestes espaços. Tendo como chave de leitura Foucault (2008; 2016), esta lógica colonial se traduz, também, nas disputas simbólicas de classificação e categorização do ambiente e das populações. Neste contexto, em 1865, partiu de Campinas para Mato Grosso uma comissão de engenheiros do exército brasileiro de que fazia parte Alfredo D’Escragnolle Taunay, que viria a ser futuramente Visconde de Taunay. Sendo “herdeiro” da missão artística francesa, filho de Felix Émile Taunay e neto de Nicolas Antoine Taunay, ele vinha de uma família mais interessada em entender o Brasil do que empreender nele (Wittmann, 2007). Para compreender os interesses implicados no Relatório geral da comissão de engenheiros junto ás forças em expedição para a província do Matto Grosso (1865-66) redigido por Taunay se fez uma análise de alguns textos do jornal paraguaio Semanario de Avisos y Conocimientos Útiles, do mapa Carta corográfica del Paraguay e de outras produções do engenheiro (Scenas de viagem e Entre os nossos índios). A partir destas fontes, procuramos analisar o uso das representações de indígenas da fronteira como retórica para disputas territoriais, através do conceito de representação de Roger Chartier (2011). Veremos como as descrições, longe de serem ingênuas, configuram um campo de lutas de representação que foi se moldando muito antes de Alfredo Taunay ir à Guerra contra o Paraguai. Antes, estão inspiradas numa tradição que vai do relato de viagem ao estudo corográfico. Assim, para compreender a complexidade das representações feitas por Taunay e pelos mantenedores do discurso oficial paraguaio, o presente trabalho faz uma análise das formas que o poder se expressa na modernidade, principalmente nas relações de poder entre governo (Foucault, 2008), capitalismo (Wood, 2001) e Ciência moderna (Foucault, 2008, 2016; Lyotard, 2009; Kuhn, 2013) no mundo e seus usos no Brasil. Em seguida, fazemos um panorama das disputas territoriais no Prata ao longo da modernidade e suas repercussões nas disputas entre Brasil e Paraguai pela navegação da bacia do Prata. Neste sentido, propomo-nos a pensar Alfredo D’Escragnolle Taunay como um engenheiro-antropólogo, complexificando a leitura de que ele teria uma sensibilidade ímpar com os indígenas (Wittmann, 2007), já que é possível observar que ele carregava os interesses do Estado brasileiro em dominar a região e os povos da fronteira entre Paraguai e Mato Grosso.; |