Resumo:
O planejamento urbano brasileiro é marcado por práticas de uso do solo que privilegiam certos lugares em detrimento de outros, consolidando e agudizando a segregação sócio-espacial; enquanto os lugares privilegiados têm apoio das gestões municipais, outros, que vivem à margem do sistema oficial e formal de propriedade, crescem e se desenvolvem espontaneamente sobre as lacunas do Estado. O modelo de planejamento urbano no Brasil parece se voltar a determinados interesses que não correspondem às diretrizes fundamentais da ordem jurídico-urbanística, fundada sobre os princípios do exercício pleno da cidadania, da gestão democrática da cidade e da função social da cidade e da propriedade urbana. Nesse contexto, a lógica tradicional do território enquanto espaço de soberania estatal se torna insuficiente em face da demanda por direitos que vão em direção a uma nova concepção de territorialidade. A hipótese desta tese é a de que o território é um conceito que serve para imunizar espaços necessários à concretização de direitos que não podem ser privadamente apropriadas, da mesma forma em que viabiliza reivindicações de lugares e direitos, devendo, assim, ser incorporado às lutas urbanas por uma cidade democrática e inclusiva. Daí a preocupação em realizar uma análise sócio-espacial do fenômeno jurídico que responda em que medida a utilização do conceito de território, tomado em uma acepção geográfica, pode questionar a política urbana, suas características básicas e os aspectos de sua implementação ou violação, de modo a abrir possibilidades para a concretização do direito à cidade no Brasil. A pesquisa foi realizada sob o método indutivo e o estudo de caso do Cais Mauá, na cidade de Porto Alegre. Seu ponto de partida é a análise de um fato social, a cidade, sob a perspectiva empírica e transdisciplinar. O referencial teórico que a conduz é o do pensamento descolonial, pela perspectiva epistêmica que permite possibilidades de romper com os paradigmas e modos de pensar forjados sobre um padrão moderno/colonial de poder. Por fim, essas premissas são relacionadas aos aportes metodológicos do materialismo histórico para a realização de uma abordagem crítica que articule pensamento e ação na observação do fenômeno social enquanto processo histórico inerente ao objeto de estudo. A tese está dividida em três momentos principais: no primeiro, descreve-se a construção do espaço urbano em Porto Alegre, culminando com a análise empírica do processo de “revitalização” do Cais Mauá; o segundo analisa a produção capitalista do espaço urbano e as tendências hegemônicas geopolíticas correspondentes, assim como conceitua e identifica o marco normativo brasileiro do direito à cidade, a fim de responder em que medida a produção do espaço é determinada pela necessidade de circulação do capital; o terceiro conceitua território e, diante da categoria colonialidade do poder, explora seu potencial para a concretização do direito à cidade. Estabelecidos os contextos, conceitos e categorias intrínsecos à investigação do problema de pesquisa, propõe-se uma abordagem descolonial na construção de propostas alternativas ao planejamento urbano e à concretização do direito à cidade.