Abstract:
O corpo e suas formas podem ser compreendidos e interpretados sob diversos modos, a depender dos interesses que o cercam e do período histórico analisado. É por meio do corpo que a relação com o mundo é construída. Na contemporaneidade, o avanço tecnológico da ciência médica profere ‘verdades explicativas’ sobre a ‘normalidade’ e a ‘anormalidade’ do corpo. Esse discurso, em larga medida, é legitimado e naturalizado pela cultura capitalista liberal, por meio das indústrias culturais da obesidade e da magreza e pela na mídia de massa. Esses veículos pulverizam as ‘verdades’ para a sociedade e, com isso, vêm transformando a concepção corporal, idealizando-a enquanto um ideal de magreza, como símbolo de saúde e beleza. As consequências dessas ‘verdades’ incluem a estigmatização de formatos corporais diferentes do padrão hegemônico, em especial o corpo obeso, aprofundando a dicotomia magreza como inclusão e obesidade como exclusão. Diante desse cenário, a presente pesquisa se propôs a compreender o processo de constituição das representações sociais de sujeitos em situação de obesidade considerada grave, frente às suas trajetórias de vida e aos seus itinerários terapêuticos no Sistema Único de Saúde; além disso, teve o objetivo de analisar, na perspectiva destes sujeitos, como as discursividades hegemônicas influenciam o cotidiano e as relações sociais dos sujeitos. Para tanto, por meio da abordagem qualitativa, utilizou-se a Teoria das Representações Sociais como elemento teórico-metodológico. Participaram da pesquisa 20 sujeitos em situação de obesidade, considerada grave, inseridos no Serviço de Obesidade e Cirurgia Bariátrica do Hospital Universitário do Oeste do Paraná (SOCB-HUOP/UNIOESTE), no município de Cascavel-PR. Ao longo das entrevistas e grupo focal, foi possível delinear as representações sociais de sujeitos em situação de obesidade considerada grave enquanto marginalizados pela sociedade: por amigos, familiares, no local de trabalho e por alguns profissionais de saúde. Pelo diagnóstico médico de ‘doença’, culpabilizam-se pela sua situação, sua falta de condições para seguir os tratamentos propostos, nos termos estritamente médicos. A palavra mais utilizada por elas para descrição de suas emoções é a dor – física também, mas sobretudo emocional. A internalização desse estigma antecipa a discriminação, reduzindo, em boa medida, sua autoestima, prejudicando a qualidade das suas relações sociais e reforçando seu isolamento social. Os itinerários terapêuticos percorridos foram, por vezes, frustrantes. A terapêutica empregada pelos profissionais, em sua maioria médicos, não foi suficiente para abarcar a integralidade do sujeito em todas as suas dimensões biopsicossociais. Faltam profissionais de saúde no SUS para compor a multidisciplinariedade; e os que atuam no Sistema, por vezes, foram considerados despreparados, indiferentes e preconceituosos. Por não haver a Linha de Cuidado de Obesidade implantada no município, os sujeitos em situação de obesidade oscilaram entre as redes pública, privada e beneficente ao longo de meses ou até anos. O SOCB-HUOP/UNIOESTE em alguma medida contribuiu para amenizar o sofrimento, por meio de relações horizontais estabelecidas com a equipe multiprofissional. Considera-se urgente refletir sobre a legitimidade dos discursos hegemônicos que influenciam significativamente a vida de pessoas em situação de obesidade.