Abstract:
A partir do pressuposto de que os exércitos do mundo são instituições inerentes ao fenômeno da guerra e, assim, são resultados das organizações sociais e culturais das sociedades, a presente pesquisa doutoral se propôs a analisar as transformações que têm ocorrido no EB - Exército Brasileiro - nos últimos anos. Principalmente a partir da pós-modernidade, em que ocorreu a produção de uma multiplicidade de culturas, crenças, ideais, valores e tecnologias, a proliferação de várias formas de conhecimento, de informação e de sociabilidade, estando tudo isso em constante modificação. Neste contexto, identificamos que, entre os séculos XIX e XX, os ideais da modernidade tornaram-se os elementos constitutivos da visão de mundo da Força Terrestre brasileira. Mas também encontramos indícios de que mudanças recentes geraram antagonismos entre os ideais militares, tradicionais no EB, e os ideais pós-modernos, típicos da contemporaneidade. A hipótese da pesquisa foi a de que são as influências socioculturais advindas do individualismo exacerbado e do contexto tecnológico contemporâneo, a partir da pós-modernidade, as maiores forças modificadoras da atual profissionalidade militar, contrariando a orientação tradicional do Exército Brasileiro, constituída por traços modernos. Tomando os indícios dos antagonismos como pistas, desenvolvemos discussões teóricas relacionadas ao debate modernidade-pós-modernidade. E, a partir de diversos autores, especialmente das obras de Max Weber (1982, 1987 e 2004), Daniel Bell (1977 e 1992) e Gilles Lipovetsky (2004, 2005a, 2005b e 2015), distinguimos entre a primeira e a segunda modernidades conforme os individualismos e os processos de socialização predominantes em cada uma. No primeiro caso, denominado de individualismo moderno laico, os ideais modernos são os conteúdos rígidos que preenchem o “eu” do indivíduo, o que relacionamos às identidades dos oficiais militares orientadas pelas virtudes e deveres tradicionais da Força Terrestre. No segundo, denominado de hiperindividualismo pós-moralista, ocorre o esvaziamento dos conteúdos rígidos que preenchiam o “eu” do indivíduo na modernidade anterior, resultando em um indivíduo formado e guiado por sua subjetividade, pois não há ideais e deveres impostos para seguir, somente e se o indivíduo assim decidir. Para examinarmos a suposição levantada, realizamos um levantamento histórico a partir de dados de cunho bibliográfico e documental, utilizamos dados de pesquisas da área da Sociologia Militar e Antropologia Militar, tanto brasileiras quanto internacionais, bem como dados primários advindos de entrevistas e trabalhos de campo com observação participante feitos em OMs – Organizações Militares da Força Terrestre. Então, constatamos que as mudanças sucedidas no Exército Brasileiro nos últimos anos estão modificando a profissionalidade do oficialato da Força e a identidade dos seus militares. O corpo profissional e de pessoal do EB está cada vez mais ambivalente, de modo a se apresentar como uma instituição cujos elementos identitários são diversos em coexistência, alguns de traços modernos e outros de traços pós-modernos. Portando, concebemos que as transformações ocorridas a partir da pós-modernidade, as quais se solidificaram e se intensificaram na contemporaneidade, se constituem como um avanço dos processos modernos de racionalização e de secularização e que, agora, não só abrangem determinadas esferas em detrimento de outras (racionais versus irracionais), mas também atingem todas elas e todas as formas de compreensão da realidade, racionalizando-as e secularizando-as com a lógica cada vez mais predominante do hiperindividualismo pós-moralista contemporâneo.