Resumo:
A prática de perguntar e de responder consiste em uma atividade trivial na vida das pessoas, seja na fala-em-interação mundana ou institucional. Nesta dissertação, analisam-se sequências de perguntas e respostas, bem como as consequências por elas ocasionadas, em um evento interacional de caráter institucional permeado pela prática de perguntar e de responder: o interrogatório policial. O objetivo consiste em investigar, por meio do arcabouço teórico-metodológico da Análise da Conversa de base etnometodológica (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 1974), como ocorre a busca vs. o resguardo de informações acerca dos crimes sob investigação em interrogatórios policiais de três Delegacias de Polícia do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Propõe-se, de maneira específica, analisar e descrever as implicações interacionais: (1) dos formatos das perguntas utilizados pelos policiais investigadores na busca por informações concernentes aos crimes; e (2) dos recursos por meio dos quais os participantes dos interrogatórios resguardam informações acerca dos crimes sob investigação. O corpus deste estudo advém de gravações em áudio e/ou vídeo de dez interrogatórios policiais ocorridos em três Delegacias de Polícia Civil, entre abril de 2017 e janeiro de 2018. No que concerne à busca dos fatos dos crimes, a análise evidencia que é a partir das perguntas de formatos menos abertos e de formato fechado, ou então do estreitamento sequencial de perguntas de formato aberto para perguntas de formato fechado, que informações acerca dos crimes são alcançadas pelos policiais investigadores. Essas informações são seguidas de justificativas e/ou informações adicionais que podem não apenas ser substanciais para as investigações, como também podem ser usadas em favor da própria inocência dos interrogados. Em relação ao resguardo das informações acerca dos crimes sob investigação, a análise revela que ele pode ser: (1) realizado pelos interrogados em seus turnos de fala responsivos; e (2) oportunizado pelos policiais investigadores em suas perguntas. Os interrogados resguardam os fatos dos crimes ao resistirem ao provimento das informações solicitadas pelos policiais e ao fornecerem respostas não conformativas àquelas tornadas relevantes nas perguntas, cujas ações consistem em declarações de desconhecimento, deslembrança e dessaber, dentre outras. Os policiais oportunizam que informações concernentes aos crimes sejam resguardadas pelos interrogados quando realizam perguntas cuja composição integra verbos de cognição, tais como “saber” e “lembrar”, possibilitando, assim, que os interrogados declarem, em suas respostas, dessaber e/ou deslembrança sem que revelem resistência ou não conformidade em relação à pergunta. A partir desses resultados, reflete-se sobre a interface entre a ciência da linguagem e as ciências jurídicas, bem como sobre as contribuições que este estudo linguístico-interacional tem a oferecer ao contexto de investigação e ao aparato da Análise da Conversa.