Resumo:
A tese analisa representações das elites sobre o escravo na Justiça da segunda metade do século XIX e, de forma igualmente relevante, a ingerência de fatores políticos sobre o Poder Judiciário imperial. A proposta de investigação passa pelo entendimento da organização do ordenamento jurídico nacional após a Independência brasileira e ao longo do Oitocentos, com destaque para a regulamentação do tratamento formal dado a escravos e libertos nesse contexto. Valoriza também o estudo da (re)produção de discursos construídos por uma elite socialmente branca e escravocrata, legitimada a inscrever sua fala em processos judiciais. Busca ainda entender os sujeitos e os mecanismos da política que, no período monárquico, imergindo o Judiciário no dinâmico jogo de interesses que marcou a relação entre Corte imperial e grupos políticos locais. A pesquisa foi desenvolvida a partir da trajetória de vida de Celso Magalhães (1849-1879) e mais particularmente da atuação do jovem literato e jurista maranhense no chamado “crime da baronesa de Grajaú”, ocorrido em São Luís, em 1876. O protagonismo do personagem na acusação da ré, Ana Rosa Viana Ribeiro, ajudou a compor um caso sem precedentes na história do Judiciário maranhense, no qual uma senhora abastada e casada com um político influente foi presa e colocada no banco dos réus pelo fato de ter supostamente matado uma criança escrava. Dessa forma, a investigação mantém relação com a luta nos campos jurídico e político levada a cabo a partir da ação criminal aqui tratada. Na esfera jurídica, o processo que julgou Ana Rosa contribui para a análise da produção e da circulação de discursos das elites sobre o tratamento jurídico do escravo perante o Judiciário. Quanto às relações de poder, gravitou em torno do “crime da baronesa” parte da atmosfera política da Província do Maranhão, que tomou aquele processo criminal e a exposição dos personagens nele envolvidos como palco privilegiado para o embate há muito travado entre as facções liberal e conservadora. Nesse aspecto, o trabalho buscou pensar a Justiça e a política no Império a partir de uma localidade periférica, sem grande expressão no contexto nacional, porém inserida na tensa relação entre a Corte e as elites regionais. Distante do Centro-Sul do país, o Maranhão tensionou as regras projetadas para o Império, imprimiu traços peculiares à armação burocrática pensada para a nação e certamente inventou formas diversas de corrupção das instituições do século XIX.