Resumo:
A estagnação da economia vivida nos anos 1980 e suas consequências nos primeiros anos da década de 1990 levaram o Brasil a uma grave crise econômica que elevou os índices de desemprego a patamares alarmantes. Frente a este cenário, muitas empresas entraram em colapso financeiro, o que ocasionou o encerramento das atividades, de forma voluntária ou por meio de processos falimentares. A presente tese tem como objeto de investigação a análise na mudança da cultura organizacional – mediada por processos formativos – e das especificidades econômico-sociais de empresas recuperadas por ex-empregados e reconfiguradas sob o formato de cooperativas de trabalhadores no estado do Rio Grande do Sul. O problema central indaga se as cooperativas com essas características aplicam efetivamente os princípios cooperativos e da autogestão nas atividades cotidianas, tendo em vista as ambiguidades e contradições que vivenciam para se manter, frente às demandas relacionadas à competição, presentes no sistema capitalista; e, se as mesmas podem ser circunscritas no que se considera economia solidária. Como objetivo geral, propõe-se analisar o processo de constituição das cooperativas de trabalhadores por ex-empregados de empresas no estado do Rio Grande do Sul e os efeitos das mudanças organizacionais no processo de recuperação, sob o ponto de vista dos princípios cooperativos e da autogestão. Para operacionalizar a pesquisa, foram identificadas dez cooperativas com este perfil, por meio do cadastro do Sistema Ocergs/Sescoop e da Pesquisa Nacional sobre Empresas Recuperadas por Trabalhadores (2013), das quais duas deixaram de operar na fase inicial da pesquisa e uma recusou-se a participar. Então, integram o estudo sete cooperativas, localizadas em seis municípios gaúchos, sendo três do ramo educacional, três do ramo produção e uma do ramo turismo e lazer. A condução metodológica da pesquisa definiu-se pelo método descritivo, com estudo de casos múltiplos. Os dados foram produzidos em trabalho de campo, adotando-se procedimentos de diversas naturezas, como: pesquisa bibliográfica; análise documental; questionários aplicados junto a um grupo de cooperados; entrevistas em profundidade com gestores das cooperativas; dois grupos focais realizados com cooperados; e, por fim, a observação direta das atividades, em situações específicas. Os resultados evidenciam que: os princípios do cooperativismo e da autogestão são praticados de modo parcial; a cultura organizacional é caracterizada por um processo de transição que busca mudanças no que diz respeito à maior transparência na tomada de decisões e à convivência entre as pessoas, com mais abertura, diálogo e participação; e, os efeitos econômicos e sociais refletem-se na manutenção dos postos de trabalho e na consequente continuidade dos rendimentos. Conclui-se que as cooperativas mantêm praticamente a mesma estrutura da empresa ou instituição anterior, promovendo algumas adaptações ao novo formato de gestão; os princípios cooperativos e da autogestão sofrem restrições impostas pela competição capitalista; e, principalmente, o que comanda as ações nas cooperativas é o viés econômico, mesmo que a preocupação com o ser humano não seja desprezada. Entende-se que essas cooperativas podem ser consideradas como integrantes do campo da economia solidária, caracterizadas como empresas autogestionárias, ainda que vivenciem restritivamente os princípios cooperativos e da autogestão e que algumas não participem ou estejam inseridas nas esferas políticas da economia solidária.