Resumo:
O tema central desta tese é a construção identitária de uma parcela populacional das reduções do Uruguai, abarcando o período do Tratado de Madrid (1750), até a anexação definitiva dos povoados indígenas pelos luso-brasileiros (1801), tendo em vista a série de transformações políticas e sociais acarretadas pela situação colonial em que Espanha e Portugal envolveram os indígenas. Este período caracterizou-se por uma conjuntura de disputas territoriais entre ibéricos e indígenas que, em decorrência dela, manifestou um tipo específico de identidade social, conformada a partir do território. A tese tem, por isso, o objetivo de compreender como se construiu este tipo de identidade em um momento de transformação e como ela foi modelada ao longo do tempo por processos relacionais. Optando por uma metodologia inspirada em micro-história, apresenta uma análise intensiva de um conjunto variado de fontes, tais como relatos, ofícios do governo português, registros eclesiásticos, compreendendo visitações, ordenações pastorais e livros batismais, com o propósito de identificar e analisar os indícios do processo de formação da identidade destes guaranis. Sobre este processo de construção identitária, a tese apresenta três hipóteses. A primeira sustenta que a conservação das memórias sobre as experiências ancestrais da vida em redução foi utilizada na elaboração, não só de narrativas sobre o passado, mas, também, de inspiração para seu modelo de organização social. A segunda defende que esta identidade pertencia a grupos remanescentes do Tape. Já a terceira defende que a identidade ajudava a diferenciá-los dos demais atores sociais e que, através dela, havia unidade organizacional que permitia a coexistência com não indígenas sem necessariamente se integrarem a eles. Conclui que a parcela de guaranis estudada não se inseriu numa nova sociedade de colonos. Os indígenas tiveram que lidar com o avanço sistemático dos lusitanos, encontrando formas de coexistência, principalmente após 1750. Mesmo diante daquele quadro irreversível, a identidade e os usos da memória permitiram aos indígenas o acionamento de certa maleabilidade para contornar as dificuldades que se apresentavam, fazendo com que seu sistema de organização se reproduzisse.