Resumo:
O objetivo desta tese é investigar se há uma relação mente-corpo e, se sim, como podemos caracterizá-la. No primeiro capítulo, investigamos em que sentido há um problema mente e corpo, pois se compreendermos que os conceitos mentais são confusos e podem ser eliminados, ou que são significativos, mas podem ser reduzidos às explicações dos processos físicos no corpo, não faz sentido dizer que há um problema mente-corpo. No entanto, os qualia são aspectos mentais que resistem à eliminação ou à redução. Além disso, se compreendermos que a ideia de causação é um princípio epistêmico e que não se refere, de fato, a coisas no mundo que se relacionam, investigar uma possível interferência metafísica da mente, em especial dos qualia, no corpo também não faria sentido. No segundo capítulo, investigamos possíveis explicações para a conexão psicofísica que faz com que a mente em geral, e os qualia em particular, pareça influenciar os nossos comportamentos. A perspectiva dualista substancial seria insatisfatória, dentre outros problemas, na medida em que a explicação de como se dá a conexão psicofísica depende da aceitação da existência de Deus, algo questionável. Investigamos, então, algumas propostas monistas que defendem uma perspectiva não-reducionista em relação aos eventos mentais. As perspectivas de Davidson e Chalmers mostram-se frágeis em explicar o poder causal dos eventos mentais e, embora Kim consiga evitar o problema do epifenomenismo, ele assume uma posição eliminativista quanto aos qualia, o que não resolveria o problema. No terceiro capítulo, procuramos avaliar em que sentido a perspectiva não-reducionista de David Bohm sobre a relação mente-corpo conseguiria responder ao problema do epifenomenismo. Para ele, os aspectos mental e material existem um em participação com o outro na realidade e aí está a base da compreensão do ‘poder causal do mental’, que, como potencial atividade da informação, tem o poder de permitir que uma informação ativa nova atualize-se, alterando o seu aspecto material. A partir dessa perspectiva, pode-se compreender a consciência fenomênica como um tipo de ordem implícita muito sutil e complexa, que pode emergir de ordens implícitas menos sutis, as quais apresentam aspecto quase-mental. No quarto capítulo, argumentamos que a participação mente-corpo pode ser considerada uma conexão causal, compreendendo-a como uma categoria de causação, que estabelece um vínculo particular entre duas coisas, o que seria compatível com a novidade qualitativa que existe na ação humana. Neste capítulo ainda, defendemos que a perspectiva de Bohm sobre a participação mente-matéria na informação ativa pode ser compreendida como uma interação entre as quatro causas: formal, final, eficiente e material. As quatro funcionam como uma causação única, modificando-se a si mesma enquanto outra. E isso explicaria a capacidade que os seres humanos têm de automodificarem-se e, consequentemente, o poder causal dos qualia de interferir no comportamento humano. Por fim, no quinto capítulo, argumentamos que o ser humano pode ser compreendido como um sistema complexo que se auto-organiza mediante as suas relações com o mundo. Estabelecemos a relação entre a autocausação no sistema humano como um tipo de auto-organização secundária (de acordo com Debrun), que pressupõe a recriação de sua própria forma. Sustentamos, ademais, que a relação entre os diversos níveis hierárquicos de organização no ser humano dá-se por causação circular, na qual as partes interferem no todo, e ele, por sua vez, retroage sobre as partes, permitindo a emergência de novas propriedades. Além disso, esclarecemos que só podemos compreender a participação mente e corpo no ser humano como uma auto-organização de um sistema complexo em um mundo. Consideramos que também, entre o ser humano e o mundo (este compreendido como um ambiente natural e cultural, que inclui diversos sistemas, inclusive, outros seres humanos), há causação circular, dentre vários outros tipos de determinação. Portanto, a resposta apresentada para o problema mente-corpo é que a mente, incluindo os qualia, não pode ser reduzida aos processos físicos do corpo. A consciência fenomênica, como aspecto mental por excelência, refere-se à subjetividade da experiência do ser humano no mundo; só ele pode saber o que ele sente com as suas experiências e como as sente. Esse nível fenomênico emergiria de um nível protofenomênico, no qual já há um aspecto mental (quase-mental) compreendido como potencial atividade da informação, considerado como uma interação das causas eficiente, formal e final, que, ao interagirem com a causa material, aspecto material (atual atividade da informação), produzem uma mudança em si mesmos qua outro. Essa compreensão do aspecto mental como potencial atividade da informação permite compreender o poder causal do aspecto mental e como o nível fenomênico emerge dos níveis protofenomênicos da realidade, os qualia, aspectos mentais de sistemas complexos como o ser humano, podem ser compreendidos como exibindo um poder causal sobre o corpo.