Resumo:
Na segunda metade do século XVII, após a Restauração Portuguesa, intensificou-se o povoamento do sertão da América portuguesa. O processo, definido na documentação como “expansão para os caminhos de dentro”, visava à constituição de aldeamentos e à formação de alianças, com o intuito de garantir segurança no acesso comercial às rotas dos criadores de gado que seguiam da Bahia ao Piauí, bem como a constituição de um grupo de índios que coibisse a formação de quilombos nas impenetráveis rotas do sertão. Mais uma vez, as ordens religiosas foram incumbidas da tarefa de organizar as aldeias, disciplinar as almas e fornecer mão de obra nas entradas para o sertão. Coube aos padres da Companhia de Jesus a tutela dos índios da nação Kiriri, que se encontravam na margem sul do Rio São Francisco. Durante esse período de reordenação dos domínios coloniais e de implantação de novos aldeamentos, foi produzido um significativo corpus documental, que versa sobre a solicitação de índios, traz notícias sobre as aldeias, descrições dos espaços e sobre a necessidade da elaboração de novos instrumentos que auxiliassem a comunicação. Para o atendimento destas solicitações, foram realizados estudos linguísticos, com o propósito de sistematizar e normatizar as línguas locais e, assim, tornar possível a comunicação e a pretendida conversão. Na presente tese, analisamos tanto esta documentação, quanto as duas obras que visaram normatizar a língua Kiriri, o Catecismo da Doutrina Christãa na Lingua Brasilica da Nação Kiriri e a Arte de Grammatica da Lingua Brasilica da naçam Kiriri, escritas pelo padre Ludovico Vicenzo Mamiani Della Rovere e utilizadas nas aldeias de Mirandela, Saco dos Morcegos, Natuba e Geru, na segunda metade do século XVII, com o objetivo de apresentar e de discutir as estratégias de conversão empregadas pelos missionários que atuaram junto aos Kiriri, bem como o processo de tradução cultural que o Catecismo e a Gramática evidenciam.