Resumo:
Utilizando o framework teórico denominado Predictive Processing (Clark, 2013), que assume que cérebros são essencialmente máquinas que predizem seus próximos inputs e o fazem minimizando o erro de predição (diferença entre o input previsto e o recebido) de modo semelhante a uma inferência bayesiana, procurou-se, nesta dissertação, encontrar padrões de atividade eletrofisiológica que sinalizassem o recrutamento de crenças epistêmicas. Conjecturou-se que enquanto frases são lidas, representações de estados de coisas e eventos são mentalmente modeladas de modo gradual e preditivo, e que os estímulos vindouros são antecipados com base naquilo que se afigura “o mais provável” em termos epistêmicos, semânticos, sintáticos, léxicos e perceptuais. Devido ao fato de já serem conhecidas as respostas eletrofisiológicas que são moduladas por violações de expectativa dos níveis semântico, sintático, léxico e perceptual, assim como o preciso intervalo temporal em que se manifestam, foi possível estudar como a expectativa gerada por crenças modula os sinais cerebrais. Os experimentos realizados no Laboratório de Filosofia Experimental e Estudos da Cognição, localizado na UNISINOS, apresentavam frases em um monitor (palavra por palavra) que aludiam a fatos conhecidos apenas por um grupo de participantes (filósofos), estruturadas de modo que apenas uma única palavra, aparecendo no final de cada sentença, fosse capaz de as tornar verdadeiras (e.g. “Teeteto é um diálogo escrito por Platão”). O modelo proposto assume que, antes de aparecer a palavra final, o significado dos termos é acessado (no caso exemplificado, um texto específico e uma relação), um estado de coisas representado (i.e. existir um x tal que x escreveu Teeteto), e uma busca iniciada pelo melhor candidato a x, tendo as crenças do sujeito como alvo do rastreio. A crença relevante é então recrutada e a representação do x identificado (Platão) acessada. Informações sobre a melhor predição semântica (o filósofo Platão) são utilizadas para selecionar o mais provável item léxico que tenha Platão como significado. Os participantes aos quais eram atribuídas crenças filosóficas apresentaram Event-Related Potentials correlacionados a processamento léxico-semântico significativamente diferentes dos participantes do grupo dos não-filósofos. Considerando que a única diferença relevante entre os dois grupos era a conjecturada posse ou ausência de determinadas crenças, os resultados foram interpretados como sinalizando o recrutamento de crenças em processos preditivos subjacentes à compreensão textual. Os resultados contrariam posições eliminativistas que consideram que o vocabulário mentalista acerca de crenças, intenções e desejos carece de significado, uma vez que a diferença encontrada sugere que de fato há algo em cérebros que é denotado por meio dessas expressões (ainda que de modo vago e grosseiro) e que está a modular os sinais. Ainda que não compreendamos prontamente o exato modo como se efetiva a instanciação de crenças por cérebros, podemos estudar o modo como elas são recrutadas e integram diversos processos cognitivos (i.e. seus papéis causais).