Resumo:
O contato com a obra de Rousseau nos permite observar a constante tensão entre o nível ideal, os “princípios do direito político”, e o real, o âmbito dos “homens tais como são”. Abordar o tema do conflito entre vontade particular e geral implica na tentativa de explicitar o efetivo alcance das correlações decorrentes de sua concepção antropológica para sua filosofia política, sem perder de vista a necessária passagem entre normatividade e factualidade. Trata-se, portanto, de analisar as implicações decorrentes da antropologia dualista de Rousseau, para o contexto da sua filosofia política, em particular, para resolver os conflitos entre vontade particular e vontade geral. Para esta análise, buscou-se reconstruir o percurso argumentativo de Rousseau apontando os desdobramentos consequentes de sua concepção de natureza humana para a resolução dos conflitos e a efetivação da República. Pretende-se, com esta pesquisa, demonstrar que tendo assumido como ponto de partida de sua filosofia política os “homens tais como são”, e por apresentar uma concepção dualista para a natureza humana, “o homem não é ser simples”, Rousseau não poderia chegar a outro resultado senão o de colocar sob condições a resolução dos conflitos, uma possiblidade real, mas caracterizada pela provisoriedade. Os conflitos entre vontade particular e geral, causa da desordem social, tem origem na dificuldade que os homens reais têm de superar a contradição, ou seja, de harmonizar internamente “inclinações naturais”, com “deveres civis”, a voz das paixões que se contrapõe à da razão e consciência. Neste contexto, emerge a própria finitude do Estado, obra de arte, visto que a efetivação do ideal da República e do cidadão virtuoso, capaz de livre e racionalmente submeter-se à vontade geral, resultante dos interesses individuais históricos e contextuais, se dá sempre tendo por pressuposto o campo real da diversidade, da fraqueza e da imperfeição da natureza humana.