Resumo:
Gadamer desenvolve sua ontologia da obra de arte recorrendo ao conceito de jogo para expressar o modo de ser obra da arte, salientando a importância de libertar o conceito do significado subjetivo que, desde a estética de Kant, prevaleceu para a abordagem da arte bela. A julgar pela natureza hermenêutica da sua investigação, ele parece ter em vista a intenção de contrapor a necessidade de uma mediação histórica do conteúdo da arte diante da noção estética que privilegia a simples distinção formal da arte. De fato, isto sugere um confronto com a noção de jogo livre das faculdades da imaginação e do entendimento de Kant que se refere ao estado ideal do ânimo quando este está inclinado a reconhecer algo como belo e que é
autônomo de questões de conteúdo na perspectiva de uma distinção formal. Além disso, para Kant, no caso das obras de arte, a possibilidade de ajuizamento da beleza seria mediada pelo conceito de forma da arte em questão, onde a música acaba sendo definida como o “belo jogo das sensações do ouvido”. Cabe perceber, desta forma, que na música encontramos uma confluência das dimensões estética,
hermenêutica e formal através do mesmo conceito de jogo, o que permite considerar a leitura gadameriana do juízo estético sob as peculiaridades da arte musical. Assim, o propósito deste estudo é averiguar a tensão existente entre uma consideração do belo musical enquanto dependente de uma autonomia estética ou enquanto dotado
de questões de conteúdo para o qual a forma tem que ser referente. Esta situação problema será apresentada a partir da forma musical de um exemplo específico – a saber: o final da primeira sonata Royal Winter Music de Hans Werner Henze – para mostrar como aspectos da teoria kantiana e gadameriana podem ser significativos para a compreensão da experiência musical.