Resumo:
Este estudo tem por finalidade analisar a trajetória da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e a de alguns de seus integrantes no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, criada pela comunidade negra de Santa Maria da Boca do Monte, na região central do Rio Grande do Sul. As irmandades religiosas foram um importante instrumento de implantação e consolidação do catolicismo em diferentes partes do mundo. No Rio Grande do Sul, essas organizações confraternais foram fundamentais na construção e manutenção dos templos e na oferta dos serviços religiosos. Sua criação e organização eram realizadas por leigos e os acessos nessas instituições religiosas eram feitos de acordo com critérios sociorraciais, o que levaram as populações pobres e escravizadas a criarem suas próprias organizações. Entre a população negra, a irmandade mais popular era a de Nossa Senhora do Rosário, identificada como defensora dos escravos e amplamente utilizada na expansão do cristianismo. Santa Maria da Boca do Monte, localizada no centro do Rio Grande do Sul, também estava integrada na experiência associativa e religiosa das irmandades e nos seus critérios de hierarquização social. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário foi o centro aglutinador dos negros de Santa Maria, tanto na década de 1870, como no período pós-abolição e tornou-se um espaço de protagonismo e de reconstrução da identidade negra. Os interesses dos irmãos do Rosário e os desejos do clero eram divergentes sobre o modelo de comportamento da Irmandade e a posse da Capela do Rosário, o que ocasionou uma disputa jurídica e depois uma disputa de versões. O período entre a criação da Irmandade do Rosário em 1873 e a demolição de seu templo em 1942 foram estabelecidos como os marcos cronológicos desta pesquisa, para que se possa compreender a trajetória desta instituição e de seus integrantes em diferentes contextos políticos e sociais. Além da pesquisa bibliográfica, foram utilizadas uma variedade de fontes documentais obtidas em diferentes arquivos. Para a análise desse período, foram utilizados alguns princípios metodológicos da micro-história italiana, cujos resultados estão divididos em oito capítulos e demonstram os diferentes desafios enfrentados pela população negra, seja em tempos de cativeiro ou de liberdade. Revela uma comunidade negra ativa, organizada e dinâmica que buscava autonomia a partir da fundação de suas instituições sociais e religiosas.