Resumo:
Nos últimos 40 anos, estudos arqueológicos (sintetizados em Oliveira et al., 2003; Oliveira e Teixeira, 2005 a,b e c; Oliveira, 2006) apontam que a principal ocupação humana pré-colonial da planície costeira do extremo Sul do Brasil, na região dos municípios de Santa Vitória do Palmar e Chuí, estaria relacionada a grupos construtores de cerritos. Por outro lado, os sítios arqueológicos registrados através do “Banco de Dados Arqueológicos e Paleontológicos do Litoral Sudeste do Rio Grande do Sul, Brasil (BDAP)”, segundo Oliveira (2006), mostram que nesta área também existem outros tipos de sítios, associados a populações e momentos cronológicos distintos, tais como sítios erodidos sobre dunas (localizados na faixa litorânea) e sítios de encosta (nas bordas de banhados da Lagoa Mangueira). Além desses, ocorrem também sítios até agora pouco conhecidos e não estudados, que são o foco de estudo dessa tese, localizados na margem leste da Lagoa Mirim, constituindo-se basicamente de material lítico lascado, com significativa ocorrência de pontas de projétil, que foram denominados sítios líticos da margem da Lagoa Mirim. A região, como um todo, é caracterizada (Villwock e Tomazzelli, 1995) como uma ampla planície costeira, onde campos, banhados, lagoas e áreas úmidas associadas constituem a paisagem dominante. No município de Santa Vitória do Palmar, as margens da Lagoa Mirim ocupam toda a extensão de seu território até limites com o município de Rio Grande (ao Norte) e, através do arroio São Luiz e alagados (ao Sul), faz fronteira com o Uruguai. A partir de cronologias estabelecidas por vários autores (Schmitz et al, 1991; Mentz Ribeiro, 1999; Consens, 2004 entre outros) para a ocupação inicial desses grupos caçadores e coletores na região sul do Brasil e norte do Uruguai, acreditamos que a ocupação dos sítios líticos da margem da Lagoa Mirim tenha se dado entre 10.000 a 6.000 anos A. P., ao final de um período de intensa regressão marinha, que teve seu auge por volta de 18/17.000 A.P., no qual o Sistema Lagunar Patos-Mirim (dentro dele a Lagoa Mirim) havia se transformado em uma larga planície fluvial, onde rios como Jaguarão, Cebolatti, Taquari entre outros, dissecavam os antigos depósitos marinho-lagunares, formando pequenos vales (Villwock e Tomazzelli, 1995). Esses grupos teriam se estabelecido às margens daqueles paleovales, que convergiam para a porção nordeste da atual lagoa, antes de desaguarem no oceano, através da região do atual Banhado do Taim. Esses grupos, possivelmente oriundos da região do vale do Rio Negro, no atual Uruguai, teriam encontrado ali condições adequadas para desenvolverem seu modo de vida. A partir do pico transgressivo holocênico, por volta de 5.000 A.P., os vales são novamente afogados e inicia-se um novo ciclo de formação da paleolaguna Mirim, até ser novamente isolada, formando a lagoa como hoje a conhecemos. A partir desse momento, um novo ciclo de ocupação se desenvolve, com os construtores de cerritos, nas áreas alagadiças ao longo de arroios, nos terraços da recém-formada Lagoa da Mangueira e nas áreas de campos de dunas, na costa.