Resumo:
Parte da filosofia contemporânea propõe um discurso amplamente teórico e distante dos problemas da existência humana. Em sua origem, além de amor à sabedoria, a filosofia, em parte, era uma escolha de vida filosófica, entretanto, tal função da filosofia foi relegada, em nome de uma busca cada vez mais teórica e desprovida dos anseios próprios do ser humano que se propõe a filosofar. O objetivo principal desta dissertação é propor a filosofia como postura existencial, como uma propedêutica à busca do saber e da virtude, e sua implicação na própria existência humana. A dissertação apresenta-se em três capítulos, revisitando três diálogos platônicos. O primeiro capítulo propõe (a) uma interpretação do Filebo de Platão, explicitando que a tese principal do diálogo é a busca do bem na vida humana, através de uma espécie de dialética existencial própria do filósofo, que permite que este faça escolhas que o torne melhor, através de uma opção por uma vida mediana, mista entre prazer e saber; e (b) a interpretação do Filebo por Gadamer, a partir de sua tese de habilitação, que não só corrobora nossa proposta e enfatiza o fator dialético deliberativo como define os momentos ontológicos que se apresentam nos momentos do Dasein, isto é, que asseguram o percurso em busca do bem na existência humana. O segundo capítulo apresenta (a) uma interpretação do Sofista de Platão, de modo que, se o primeiro capítulo enfatizava o modo como age o filósofo em busca da boa vida, o segundo enfatiza quem é o filósofo e como este se define, via negativa, por meio das definições do sofista e seu modo de ser; e (b) uma interpretação a partir das preleções de Heidegger sobre o Sofista, enfatizando a metodologia hermenêutica de interpretar Platão à luz de Aristóteles, a interpretação fenomenológica e a ênfase no Dasein e na existência do filósofo e a correspondência do discurso autêntico em comparação ao modo de existência sofístico e o discurso inautêntico, descomprometido com seu modo de ser. O terceiro capítulo apresenta (a) uma interpretação do Alcibíades I, no qual abordamos a fundamentação de nossa dissertação, a saber, da filosofia compreendida como um cuidado de si e uma forma de prática que reestrutura a existência do filósofo; (b) a recondução do Alcibíades I, através da incorporação de Foucault — nas teses de sua filosofia tardia —, que enfatiza a filosofia como práticas de si, pelas quais o sujeito se compreende, se relaciona com a verdade e busca tornar sua existência mais autêntica; e (c) as contribuições da tese de Hadot, a quem Foucault deve sua inspiração e quem primeiro desenvolveu a noção de filosofia como exercício espiritual, a partir das tradições platônica e pós-platônica, como algo prático, uma conversão de si. Como conclusão, apresentamos uma reintrodução da filosofia contemporânea repensada a partir das práticas da filosofia grega, interligando os três diálogos, seus comentadores e apresentando uma filosofia mais ligada à existência do filósofo.