Resumo:
Este trabalho aborda os atuais conflitos territoriais envolvendo indígenas e agricultores familiares no norte do Rio Grande do Sul, entendendo-os como decorrência de políticas territoriais indigenistas que historicamente promoveram a territorialização e reterritorialização de indígenas e agricultores à medida que destinam o mesmo território, em momentos diferentes, para indígenas e agricultores. As contradições destas políticas promoveram um constante conflito, principalmente durante o século XX, com maior intensidade no momento de demarcação dos Toldos Indígenas (1910-18), na redução dos mesmos e venda destas terras para agricultores (décadas 1950-60), restabelecimento das áreas historicamente demarcadas (década de 1990) e nos atuais conflitos, configurando uma disputa do território que os indígenas consideram de ocupação tradicional e que os agricultores familiares adquiriram do Estado e ocupam há mais de um século. Demonstra-se que o entendimento dos atuais conflitos requer, por um lado, a análise das políticas públicas, a forma como elas se constituem nos processos de ação e relação do Estado e da sociedade através dos seus agentes, resultando no caso específico na legitimação ou deslegitimação do direito territorial indígena e/ou dos agricultores. A Constituição de 1988 garante a demarcação das terras que os índios tradicionalmente ocupam. Contudo, restam interpretações diferentes sobre o alcance do conceito de ocupação tradicional abarcando a perspectiva do indigenato e da ocupação imemorial ou necessitando a presença indígena no território no ato de promulgação da Carta Magna. É na atuação institucional do Estado e na relação e embate com os diferentes setores sociais que está se constituindo e reconstituindo a agenda desta política pública que já avançou no reconhecimento de que, para além da necessidade indígena de novas terras, precisam ser reconhecidos os direitos dos agricultores. Por outro lado, há necessidade de compreendermos as razões de afloramento e da intensificação dos conflitos a partir da demanda territorial indígena, da sua condição histórica, resultado de século de fricção interétnicas. Neste sentido, torna-se elucidativo o conceito de diversidade emergente, contribuindo para que percebamos os indígenas, suas necessidades, suas estratégias para ampliar a demarcação de territórios a partir da condição vivida na atualidade. A fricção interétnica e a etnogênese constituem um indígena, principalmente o kaingan, inserido, mesmo que subalternamente, ao mercado de consumo, alterando significativamente a sua relação com a terra e com a produção; portanto, a demarcação de novas terras indígenas não necessariamente o levará a reestabelecer relações de subsistência e integração com a natureza, características dos séculos passados. Entende-se de fundamental importância a utilização da perspectiva do etnodesenvolvimento que contribui para o reconhecimento tanto dos indígenas como dos agricultores, permitindo o protagonismo na definição das necessidades e na construção das políticas públicas que objetivam concretizar os seus direitos. Metodologicamente utilizamo-nos de: fontes secundárias, que consistem em pesquisas bibliográficas relacionadas ao tema, bem como a utilização dos processos administrativos de identificação, delimitação e demarcação das terras indígenas nos quais se encontram os Laudos Antropológicos e relatórios territoriais; e fontes primárias, que consistem em entrevistas com agricultores, indígenas e organizações que apoiam cada um desses grupos sociais.