Resumo:
Esse estudo enfocou os dois primeiros anos da minha carreira como professor de Educação Física na zona rural do município de Ivoti/RS. O enfoque tem origem nas inquietações que vivi durante a construção do Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola em que iniciei a minha trajetória docente em 2010. Com a construção desse documento, essa escola objetivou orientar-se pedagogicamente nos princípios da Educação do Campo. O meu capital cultural urbano, contrastante com o da zona rural de Ivoti – região de colonização alemã – ampliaram os efeitos dos chamados “choque de realidade” (TARDIF, 2002) e “conflito de dilemas” (ZABALZA, 1994), característicos dessa etapa da carreira docente. Para dar “voz” a esses sentimentos, optei por um desenho teórico-metodológico autoetnográfico, onde o investigador é o próprio sujeito que perfaz a ação (CHANG, 2008; SPRY, 2001; ELLIS, 2004). Assim, o principal objetivo do estudo foi compreender quais os desafios à construção da docência em Educação Física na zona rural, a partir da reflexão do meu percurso formativo e do processo de construção do Projeto Político-Pedagógico das escolas do campo de Ivoti/RS. A pesquisa apoia-se em teóricos que entendem a construção de identidades sociais como processual e negociativa (LAHIRE, 2002; DUBAR, 2005), e em perspectivas críticas de ensinoaprendizagem da Educação Física escolar (BETTI, 2009; DAÓLIO, 1995). As evidências produzidas foram coletadas e organizadas a partir do diário de campo, observações etnográficas e narrativas autobiográficas. Os dados foram reunidos em três categorias que, metaforicamente, referem-se às principais etapas do cultivo da terra, exploradas nesse estudo de modo autorreferente: semear-se, cultivar-se, colher-se. A primeira descreve o professor que se insere no contexto da comunidade escolar; a segunda categoria, as relações interpessoais e profissionais desse professor no contexto da escola e comunidade; a terceira categoria registra as aprendizagens feitas a partir dessa experiência. Quanto à natureza dos dados, a primeira categoria enfocou a autobiografia. A segunda e a terceira, as notas e diários de campo. A aproximação com novos aportes teóricos, especialmente a sociologia das ausências e emergências de Boaventura Santos, permitiram-me deflagrar divergências entre a concepção de Educação do Campo dos professores do campo e dos professores forasteiros nesse contexto. Autorizei-me, então, a assumir-me como um intelectual cosmopolita (SANTOS, 2010), visando fazer dialogantes ambas as premissas por meio de um trabalho de tradução. O estudo evidencia, entre outros resultados: a) que o trabalho docente exige (auto) formação permanente como forma de solucionar problemas próprios da profissão; b) que os professores principiantes e as próprias escolas são campos de dilemas, impactando o trabalho docente e a construção de políticas locais; c) que ainda é um desafio aos professores e gestores dessa escola valorizar o patrimônio cultural local, sem abrir mão da pluralidade e do conhecimento ampliado do mundo; d) que a Educação Física pode, mais do que procurar seguir um caminho teórico-metodológico oficial (RODRIGUES; BRACHT, 2010), produzir e compreender a cultura corporal dos contextos locais, como uma estratégia que congregue o interesse dos estudantes e o do PPP das escolas.