Resumo:
Após mais de um século e meio de perigosos e esporádicos contatos com os nativos do Chaco, a Coroa espanhola iniciou, na segunda metade do século 17, um projeto de catequização através do incentivo à atuação de missões evangélicas na região, a fim de estabelecer uma aproximação pacífica com os diversos grupos indígenas e permitir uma passagem segura à rota comercial entre o porto de Buenos Aires e as minas andinas do Chile. Ainda que esta nova abordagem colonizadora não tenha resultado na pacificação dos índios chaquenhos, o contato foi intensificado por causa da proliferação de reduções evangélicas naquela região ao longo do setecentos, levando muitos missionários e expedicionários a aventurarem-se no interior do Chaco, com o intuito de contatarem grupos mais afastados do convívio colonial. Esta oportunidade gerou uma série de impressões, críticas, descrições de caráter etnográfico, relatórios oficiais, acordos e negociações documentados ao longo de todo o século 18, que permitem a análise não apenas do discurso que os espanhóis produziram a respeito do contato, mas também da postura, do entendimento e das escolhas que os índios tiveram em relação ao convívio com os agentes e instituições coloniais. A presente tese tem como objetivo, a partir da análise de registros históricos produzidos por observadores civis e religiosos, de uma historiografia sobre o contato entre nativos e europeus no Chaco e de etnografias produzidas a respeito de grupos chaquenhos contemporâneos, demonstrar que os índios tomavam suas decisões e atitudes a partir de uma lógica que não era espontânea ou casuística, nem fruto do improviso frente às novas situações postas pelo avanço colonial. Esta lógica se sustentava num complexo sistema mitológico que guiava as percepções e o pensamento indígena, dotando-lhes de uma cosmologia própria e distinta da dos colonizadores modernos. Para comprovar tal hipótese, analiso três características do cotidiano socioeconômico indígena, cujos fundamentos práticos respaldam-se na relação com elementos mitológicos e, consequentemente, no entendimento cosmológico que os índios possuíam do mundo: a guerra, as trocas reciprocitárias e o sistema econômico de produção e consumo alimentar.