Resumo:
A busca por alívio de sintomas existe desde a Antiguidade, mas a medicalização por
fármacos é um fenômeno relativamente recente, assim como o uso indiscriminado de
medicamentos por conta própria. O propósito deste trabalho é compreender as motivações da automedicação continuada e com efeitos colaterais constatados. A análise teórica considerou três dimensões do problema: econômica – expansionismo produtivista característico da globalização, permanente estímulo ao consumo; política – lacunas do Estado como fiscalizador e hegemonia do modelo biomédico; e epistemológica – concepção cartesiana do corpo humano e da saúde, suprimindo conhecimentos tradicionais de prevenção e cura. A pesquisa empírica foi realizada através de entrevista qualitativa com pessoas que se automedicam, selecionadas por conveniência. Entre as motivações constatadas estão a busca de alívio rápido do sintoma (motivada pelo desenvolvimento e acesso facilitado a substâncias
eficazes) e a dificuldade de acesso ao serviço médico. Constatou-se um processo de “ilusão da cura” na medida em que não é tratada a real causa; tornou-se visível igualmente a existência de um círculo vicioso, no qual o indivíduo se automedica inicialmente para tratar um sintoma e, posteriormente, para tratar os efeitos colaterais. A “cura da ilusão” se expressou através da necessidade de implementação de medidas de educação e de comunicação voltadas para a conscientização de prevenção e qualidade de vida e de reformas no sistema altamente especializado e burocratizado da saúde.