Resumo:
Durante a pandemia de covid-19, especialmente no Brasil, foi necessário combater, além do SARS-CoV-2, a infodemia e o negacionismo científico. A negação da ciência foi propagada, inclusive, por membros do governo federal, em especial pelo então presidente da República, Jair Bolsonaro, que atuou sem acatar as recomendações de especialistas. Nesse cenário, alguns cientistas passaram a defender e a divulgar a ciência em suas redes sociais. Uma pesquisa do Science Pulse e do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD) divulgou quem foram os principais cientistas influenciadores brasileiros no Twitter no primeiro ano pandêmico. As instituições coletaram tuítes sobre a covid-19 postados por pesquisadores e instituições brasileiras de junho a outubro de 2020 e mediram a influência desses perfis considerando três critérios: popularidade, autoridade e articulação. No critério autoridade, um dos nomes apontados foi Natalia Pasternak. Esta tese tem como foco investigativo tuítes dessa cientista, partindo do pressuposto de que ferramentas de análise de textos pré-digitais não contemplam as especificidades dos tecnotextos, que precisam ser investigados a partir de uma concepção epistemológica que os considere coconstituídos indissociavelmente pelo linguageiro e pelo tecnológico. Nesse sentido, este trabalho ancora-se na Análise do Discurso Digital (ADD), proposta por Marie-Anne Paveau. O objetivo desta pesquisa é investigar, em uma perspectiva ecológica e pós-dualista, como se constroem a escrita digital e a encenação tecnoenunciativa de Pasternak em tuítes durante a pandemia, considerando as restrições e as possibilidades do ecossistema Twitter. O estudo propõe o conceito de “encenação tecnoenunciativa” para marcar linguisticamente uma nova perspectiva para a investigação do colocar-se em cena no digital, partindo do conceito de cena de enunciação, de Dominique Maingueneau. A pesquisa é qualitativa e tem em sua metodologia também um de seus objetos de estudo, pois tecnotextos apresentam características, como a instabilidade, que suscitam desafios ao pesquisador. Para a geração de dados, recorreu-se a capturas de tela dos dois tuítes mais curtidos pelos seguidores de Pasternak, considerando-se intervalos quinzenais, de junho de 2020 a junho de 2021, totalizando 52 tuítes. Ademais, selecionaram-se quatro tuítes em que a cientista traz, por meio de tecnodiscurso relatado, suas colunas de outro ecossistema, o jornal O Globo. Estabeleceram-se três etapas analíticas qualitativas, assim denominadas: (1) Análise das categorias e dimensões da ADD, nos planos morfolexicológico, enunciativo, discursivo e semiodiscursivo; (2) Assuntos mais recorrentes no corpus, em que se analisam oito tuítes com assuntos que se destacaram; e (3) Tuítes alusivos às colunas, com a análise dos tuítes com textos do jornal. Defende-se a tese de que Pasternak, entre restrições e possibilidades, vale-se dos recursos tecnolinguageiros do ecossistema, aproveitando, principalmente, características como a deslinearização e a hibridação e categorias como tecnografismo e tecnodiscurso relatado como recursos para construir uma encenação tecnoenunciativa que se paute em um ethos de autoridade, tanto de si mesma quanto da ciência. A escrita digital e a encenação tecnoenunciativa são híbridas e coconstruídas com outros enunciadores, entre eles o maquínico. Os resultados podem contribuir para o campo da análise textual-discursiva, para a divulgação científica e para a promoção da cultura da ciência.