Resumo:
Esta tese tem por objetivo investigar o internamento psiquiátrico de Afonso Henriques de Lima Barreto, a partir das suas vivências familiares, educacionais, pessoais, sociais e políticas (1908-1922). Analisa-se as práticas epistolares e a formação da rede de sociabilidade do escritor, para entender como ocorreu a interação com os seus correspondentes, o que as missivas indicaram sobre o Lima Barreto escritor, e como a saúde e as hospitalizações aparecem em seus escritos, especificamente no romance O Cemitério dos Vivos e nas anotações de Diário do Hospício. Carioca, intelectual negro, cronista, crítico literário, editor e fundador da revista Floreal, colaborador de outras, autor de ampla obra literária, filho de um tipógrafo e uma professora, Lima Barreto. Viveu em um contexto de significativas transformações e sentiu os impactos da Primeira República, período em que estava em evidência a relação de classes, raça, degeneração, branqueamento, higienismo, criminalidade, alcoolismo e loucura. A perspectiva
metodológica adotada na pesquisa tem como base as discussões da micro-história. Estabeleceuse um diálogo com a História das Emoções, a História Intelectual e a História das Práticas Epistolares, perspectivas fundamentais para perceber e narrar as experiências de Lima Barreto, na relação com temas mais gerais da sociedade do período. As fontes analisadas foram biografias sobre o escritor, cartas emitidas e recebidas por ele, dentro do recorte temporal da pesquisa, o romance O Cemitério dos Vivos e o Diário do Hospício, além de outros escritos que compõem o conjunto de sua obra, bem como autores que analisaram a Primeira República e o Hospital Psiquiátrico. A pesquisa mostrou que a vida de Lima Barreto foi marcada por dificuldades, no entanto teve acesso a uma educação destinada à elite, o que interferiu em sua formação intelectual. Manteve contato com uma ampla rede de sociabilidade, o que indicou o
seu reconhecimento enquanto escritor; embora tenha enfrentado contrariedade ao apresentar o seu projeto literário. Lima Barreto foi internado em hospital psiquiátrico duas vezes, fazendo das vivências uma reflexão literária, em que rebateu críticas sobre a atribuição do alcoolismo à hereditariedade. As hospitalizações não interromperam a prática literária, manteve-se questionador e consciente. Porém, a posterior fragilização da saúde do escritor dificultou a socialização. Ele se manteve recluso em sua residência até os últimos dias de sua vida.