Abstract:
A presente tese apresenta a reconstituição de cenários da sociedade escravista rural e fronteiriça do Norte-Noroeste do RS nos oitocentos, através de intenso diálogo com os processos criminais. A tese comprova a intensidade e as complexidades das relações escravistas na região pesquisada – através da análise das relações de trabalho, das diversas formas de resistência, da constante produção de violências e da aproximação de “atores” de diferentes segmentos sociais. Esse cenário insere a região entre os principais redutos escravistas da Província rio-grandense, na qual a escravidão se disseminou entre as mais diversas atividades produtivas, e não se restringiu aos abastados proprietários de terras, mas se efetivou entre pequenos comerciantes, carreteiros, proprietários de chácaras, investidores, entre outros. Os atos de violência registrados nos autos criminais foram produto não apenas da resistência dos “assenzalados” às duras condições de vida em cativeiro, mas também de ações solitárias ou articuladas junto a libertos e outras pessoas livres, com objetivos que atendiam a interesses específicos, motivados pela possibilidade de acessar por meios diversos a liberdade. As tensões presentes nessas relações cotidianas nos revelam uma sociedade que extrapolou de longe a tradicional visão reducionista que limitou a escravidão ao binômio senhor-escravo. Estes cenários reconstituídos envolvem outros sujeitos, motivações e interesses diversos, no qual, a legislação através do Código Criminal do Império (1830) e os Códigos de Posturas das Câmaras Municipais da região tornam-se instrumentos de controle estatal e senhoril, dispositivos que não eximiram senhores de implementar outras estratégias de domínio e negociação, na qual o castigo doméstico e a negociação ganharam relevo. Neste sentido, a tese comprova através das fontes judiciárias a existência de um universo de relações que convergiu para aproximar através da cumplicidade ou de interesses comuns os diferentes segmentos sociais – estreitamento social que produziram atos de violência e resistência. Em muitos destes atos, os homens em cativeiro foram sujeitos ativos – “senhores de si”.