Resumo:
Os movimentos migratórios oriundos do Haiti devem ser compreendidos a partir dos processos de situações estruturais e mudanças conjunturais ocorridas no país. As razões que fazem com que o país se caracterize pela perda de controle de seu território, pelo não monopólio do uso legítimo da força física dentro de suas fronteiras, pela erosão da autoridade legítima do Estado de tomar decisões coletivas, pela incapacidade para prestar serviços públicos adequados e para interagir com outros Estados como membro de pleno direito da comunidade internacional, acabam por deixá-lo em uma condição de fragilidade e vulnerabilidade, sendo, portanto imperiosa a sua análise. As questões de mobilidade humana no cenário global, objeto de estudo, estão amparadas pelo referencial teórico dos sociólogos Ulrich Beck, Immanuel Wallerstein e Octávio Ianni, que bem retratam o cenário contemporâneo resultante do conjunto de transformações trazidas pelo processo de globalização e pelo desenvolvimento tecnocientífico, responsáveis pela criação da sociedade de risco, assim como a análise das noções de sistema-mundo são referências para caracterizar o panorama, no qual o fenômeno das migrações assume novo significado como uma das dimensões das mudanças ambientais globais. O Haiti é resultado desta sociedade na qual a produção social de riquezas é acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos, vindo ao encontro às catástrofes naturais, como os abalos sísmicos, as inundações, os furacões que tornam o país ainda mais suscetível aos deslocamentos. Os riscos se tornam causa e meio da mudança social e são o conceito básico sociológico para classificar, interpretar e organizar a vida social. Este contexto propicia o surgimento de milhares de deslocamentos forçados por desastres naturais e pela progressiva degradação de recursos naturais essenciais que comprometem gravemente a vida e a segurança de pessoas, inviabilizando a sobrevivência nos locais afetados. Esta nova demanda traz ao cenário internacional a discussão acerca do tratamento ideal a ser utilizado em relação aos indivíduos e grupos em situações de risco, por causas que podem ou não estar relacionadas a situações de conflito ou perseguição, e que podem ou não cruzar as fronteiras de um Estado, sendo que mesmo em não havendo uma uniformidade sobre o conceito de "refugiado ambiental", não se pode negar a existência de um problema social a ser enfrentado. Nesse sentido, o desvelar do caso dos deslocamentos forçados dos haitianos, a compreensão desse fenômeno e suas implicações numa sociedade global de risco, só será possível por meio da investigação desde a construção histórica do país em seus aspectos políticos, econômicos, sociais e ambientais. A origem da migração contemporânea dos haitianos, não está calcada somente na busca de melhorias econômicas, como fazem os migrantes econômicos que se deslocam voluntariamente, mas sim naquela baseada na migração forçada, marcada por ameaças à vida e à subsistência, seja decorrente de causas naturais ou de origem humana (por exemplo, os movimentos de refugiados e pessoas deslocadas internamente, bem como pessoas deslocadas por desastres naturais ou ambientais, químicos ou nucleares, a fome ou desenvolvimento de projetos). Da mesma forma, averiguar se esses fluxos corroboram e de que forma para o surgimento de uma nova categoria de pessoas: os refugiados ambientais ou deslocados ambientais, se faz necessária. Ao demais, resta importante verificar todos os desdobramentos da escolha pelo Brasil como rota migratória dos haitianos, tendo em vista que a procura pelo país teve elevado aumento, a qual atingiu a marca de 50.000 ao final de 2014.