Resumo:
Esta tese apresenta uma análise da trajetória dos movimentos de economia solidária do Brasil e do México de 1995 à 2020, com base em suas relações e interações com o Estado em cada um dos países. Meu interesse prioritário esteve orientado pela tentativa de compreensão de como foram se modificando ao longo do tempo as autonomias de cada um dos movimentos. Tratando-se de uma investigação de caráter qualitativo, para alcançar o objetivo do presente estudo de caso comparado, realizei revisão de bibliografia assim como pesquisa de campo a partir de observações participantes e de entrevistas semiestruturadas. Quanto às observações, elas foram realizadas tanto no âmbito do Movimento de Economia Solidária Brasileiro quanto no do Movimento de Economia Solidária Mexicano; foram 12 entrevistados de cada um dos movimentos assim como mais 4 vinculados à institucionalidade estatal da economia solidária nos dois países. Do ponto de vista da análise, a investigação bibliográfica me levaria a pelo menos quatro pressupostos de partida: a autonomia como capacidade individual e coletiva de lucidez e reflexão, marco da ação, como uma categoria propriamente relacional e marcada por um duplo processo de negação-construção. Partindo disto, foi possível pensá-la em relação ao Estado desde três distintas possibilidades: a ação autônoma para além do Estado (negação de sua totalidade e construção de formas de organizar a vida em comum à sua margem); a ação autônoma apesar do Estado (negação de suas dinâmicas de funcionamento e construção de confrontos políticos extrainstitucionais que visam reconhecimento de direitos); e a ação autônoma com o Estado (negação de suas políticas e construção de outras desde a participação institucional). A mencionada tipologia terminaria servindo como marco da análise empírica quando do cruzamento dos dados das trajetórias dos movimentos com as configurações contextuais de cada um dos países ao longo do tempo. Quanto aos contextos, o Brasil somouse, a partir dos anos 2000, a outras experiências sul-americanas e experimentou governos de característica democrático-participativa que abriram o Estado à participação. O México, por sua vez, não acompanhou tal onda e permaneceu quase que a totalidade do período analisado sob contextos pouco ou nada atrativos à participação. Já em relação às trajetórias dos movimentos, no caso brasileiro a presença de um sujeito político-coletivo integrador e legitimado nacionalmente pelo conjunto do movimento permitiu perceber-se um trânsito entre as ações para além e com o Estado; no interior desta última, oscilou entre a autonomia inserida e a interdependente. No caso mexicano, a ausência daquele sujeito político-coletivo somada à interações desarticuladas e não sistemáticas de um ou outro sujeito do movimento com o Estado foi o que caracterizou, também considerando o nível nacional, um tipo de ação para além do Estado. A ausência do referido sujeito capaz de aglutinar nacionalmente o movimento orientaria meu foco analítico para a diversidade das experiências locais. Com este enfoque, foi possível perceber experiências que se inscreveram tanto como para além, quanto como apesar e com o Estado. Por último, importa registrar que, observadas as potências transformadoras das três dinâmicas de ação autônoma, parece ser somente aquela para além do Estado a que é capaz de pré-figurar no agora, no tempo presente, a auto-organização substantiva da vida em comum que reconecta as dimensões econômica e política da vida no todo cotidiano-comunitário, tal qual no caso do Movimento Zapatista mexicano.