Resumo:
Como as práticas cotidianas produziram a cultura escolar no contexto da Escola Especial
Concórdia? A partir dessa questão central da pesquisa, o objetivo geral consiste em historicizar a constituição da Escola Especial Concórdia de forma a compreender, a partir da análise das práticas cotidianas instituídas no seu ambiente escolar, a produção de uma cultura escolar. A pesquisa se inscreve na articulação teórica entre a História da Educação e os Estudos Surdos em Educação. Adotou-se como metodologia a História Oral em Língua de Sinais, com entrevistas realizadas em Língua Brasileira de Sinais (Libras) e traduzidas para a língua portuguesa escrita, com 11 (onze) sujeitos surdos que estudaram e posteriormente atuaram como docentes na Escola Concórdia. Os resultados se organizam em dois eixos: (a) a historicização é marcada tanto por iniciativas individuais quanto coletivas, para a implementação da escola e a ampliação das etapas da educação básica; e (b) a análise de quatro práticas cotidianas que produziram a cultura escolar: 1) o Ingresso – acesso à escola, mediado por redes de contato pessoais e médicos, marcou o início de uma vivência escolar em que a Libras circulava taticamente, apesar de não ser a língua de instrução na instituição. O ingresso docente, por sua vez, revelou estranhamentos à presença de professores surdos, demonstrando os efeitos dos estigmas produzidos em relação aos surdos; 2) a Docência artesã – caracterizada
como uma tática docente, pois exigia dos professores surdos a produção de um modo de exercer a docência, principalmente pela falta de referências à educação de surdos na formação universitária e a necessidade de criação de materiais didáticos e metodologias para o desenvolvimento das suas aulas; 3) o Tempo – praticado como estratégia e tática no interior da instituição. Uma estratégia pela determinação da escola para a realização de cada ano escolar em duas etapas e uma tática pelo prolongamento do tempo – dos intervalos, inícios e términos das aulas – pelos alunos surdos, na circulação dos aspectos, como a identidade e cultura surda; e 4) o Encontro – uma tática empreendida pelos alunos no uso das atividades escolares como meio para reforçar a língua e a identidade surda. Além disso, os encontros com surdos mais velhos e outros surdos, dentro e fora da escola, constitui-se como um modo de praticar o cotidiano marcado pela noção de comunidade. A partir dos resultados, defende-se a tese de que as práticas cotidianas, produzidas na Escola Especial Concórdia, são simultaneamente situadas
em um contexto cultural específico e moldadas ativamente por ele. A cultura escolar, resultante dessas práticas, constitui o aluno surdo e o professor surdo, ou seja, o sujeito escolar surdo, pelo uso do tempo, as formas de ingresso no contexto escolar, o desenvolvimento de uma docência artesã e os encontros entre os pares surdos. Com isso, a presente pesquisa contribui para o debate contemporâneo sobre a educação de surdos, destacando a língua de sinais na condição de estratégia – instituída e efetivada por meio de políticas linguísticas para as populações surdas – que assegura condições de aprendizado aos estudantes surdos.