Resumo:
Quais sentidos sobre gênero e sexualidade são veiculados e construídos nos
currículos dos cursos de Pedagogia das universidades brasileiras? De que modos tais
sentidos atravessam e dimensionam os caminhos de formação de futuras professoras
e futuros professores? Estas perguntas orientaram a presente pesquisa. Para
respondê-las, foram utilizados e articulados os conceitos de gênero, sexualidade,
currículo, docência, poder e verdade, dos campos teóricos dos Estudos de Gênero,
dos Estudos sobre Sexualidade, dos Estudos Curriculares, dos Estudos em Docência
e dos Estudos Foucaultianos. O procedimento metodológico escolhido foi a pesquisa
documental, por compreender que o documento não se resume a um registro do
passado, mas consiste em um produto da sociedade que o produziu — voluntária ou
involuntariamente — atravessado pelas relações de poder (Le Goff, Jacques, 2013).
Os documentos foram produzidos pela autora, por meio de uma sistematização das
disciplinas que mencionam gênero e/ou sexualidade em seus títulos nos cursos de
Pedagogia das universidades brasileiras públicas, comunitárias e privadas. Também
foram utilizadas as pesquisas encontradas na revisão bibliográfica, que dialogam com
o material empírico supracitado. Para a seleção das universidades, foi realizada uma
busca no repositório dos grupos de pesquisa do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico, por meio dos descritores “gênero” OR
“sexualidade” e do filtro por área “Educação”, no qual foram mapeadas 66
universidades e 39 atividades acadêmicas. Após a análise dos documentos com base
nas perguntas de pesquisa, foram identificados dois processos de regulação do
gênero e da sexualidade nas matrizes curriculares dos cursos de Pedagogia, e um
terceiro movimento de desregulação. Esses três processos compõem a tese
defendida nesta pesquisa sobre as três cabaças de Exu. Ao mesmo tempo, foram
analisadas brechas que indicam os avanços que as universidades têm feito para
introduzir e trabalhar gênero e sexualidade em articulação com os currículos. Com
isso, defende-se a tese de que esses três processos podem ser compreendidos como
um movimento de maré, no qual podemos visualizar recuos, retrocessos, bem como
avanços e sentidos que não conseguimos dimensionar ou prever; as ondas podem
ocupar pouca parte das faixas de areia, mas também podem operar de modo
grandioso. Denomina-se esse processo de desregulação pelas brechas de “a terceira
cabaça de Exu”, com inspiração em um itan (nesta dissertação, contada por Linn da Quebrada), de que Exu recebeu duas cabaças, uma com o bem e outra com o mal, e
as misturou para ser veneno e para curar. A tese da pesquisa também está ancorada
nos seguintes fundamentos teóricos: “humanidade docente” (Dal’Igna, 2023a);
“docência como oferenda” (Dal’Igna, 2024c); “currículo” (Silva, Tomaz da, 2007a); e,
poder do povo guardião (Peixoto, Norberto, 2019). Neste estudo, as análises também
podem indicar que Exu forma a terceira cabaça, realizando uma ruptura na ideia de
bem e mal. Defende-se que não se olhe para a empiria de forma negativa, como se
não houvesse avanços nas matrizes curriculares, mas que se busque por uma terceira
via, que se encare esses processos de modo crítico, ao qual esta dissertação
denomina como a terceira cabaça de Exu.