Resumo:
A padronização de condutas, de perfis, de tipos sociais e procedimentos têm ditado os rumos da sociedade. Se funcionalmente os esteriótipos explicam-se pelo avanço vertiginoso da oferta de produtos e tecnologias, bem como pela variação do consumo, estruturalmente percebe-se uma generalização que sufoca a diferença, firmada na expansão das necessidades criadas, com o reordenamento da produção e a massificação dos processos, sob as leis da obsolescência e da sedução. Essa atração que a sociedade exerce nas pessoas tem um propósito bem definido, qual seja, reduzir a diversificação de personalidades e definir condutas mais ou menos previsíveis, a fim de facilitar a definição estatística do objeto de todo o processo: o homem. A estandardização do direito e a pausterização dos conceitos afloram exatamente nesse quadro pintado pelo neoliberalismo, que deita suas garras vorazes firmado na pretensão espúria de quantificar resultados e imprimir à ciência uma tecnicidade que a distancia cada vez mais de seu propósito original, qual seja, a produção de um conhecimento genuíno, livre de influências e das amarras do paradigma que deve superar. As técnicas de gestão imprimidas pelo Judiciário almejam a redução do número de processos a partir de julgamentos standart reproduzidas através de sistemas eletrônicos que facilitam a decisão. O coelho de Alice parece espelhar bem essa velocidade estérica e estéril que reproduz aos cântaros sem ao menos olhar para a face de sua prole. O elemento humano tornou-se, para o processo, um ser coadjuvante visto de soslaio. Na medida em que os instrumentos de estandardização da causa traduzidos nos verbetes jurisprudenciais impõem ao julgador o sacrifício da independência e confundem norma e texto, sepultando qualquer possibilidade interpretativa, não parece existir harmonia nem previsão de futuro glorioso. Tal fato torna-se ainda mais grave porque o Brasil adota o sistema romano-germânico-canônico, que tem na lei sua principal fonte formal. As teorias do discurso, com acento em Alexy – um dos autores mais empregados no mundo – prestigiam a dedução causalista-explicativa e a produção de um discurso prévio, que se distancia da faticidade e acaba por verter grave risco de arbitrariedades e decisionismos. O forte apelo moral e a tentativa de solução através da ponderação de valores gesta um Juiz solipsista e, em última instância, relembra o critério subsuntivo do positivismo, que, sem sucesso, propõem inumar. A hermenêutica ainda coloca-se como clareira, pois agrega a tradição e tem sempre presente o mundo da vida, aplicando e compreendendo o direito sem a segmentação do discurso defendida pelas teorias procedurais. Dentre os instrumentos de estandardização da causa, a (des) consideração da coisa julgada é o mais novo representante. Carrega consigo o gravame de, ao contrário das demais tentativas de padronização dos julgados – súmulas vinculantes, impeditivas de recursos, poderes do relator, repercussão geral e pré-questionamento – voltar-se para o passado, extirpando uma decisão democraticamente arquitetada e objeto de chancela cabal do Judiciário. Ao lado do argumento da injustiça, pioneiro na aplicação da relativização do caso julgado, o Código de Processo regulou a possibilidade de afastamento da eficácia preclusiva da sentença na hipótese de posterior decisão do Supremo Tribunal Federal, mesmo em sede de controle difuso (art. 475-L, §1º e 741, parágrafo único). Além de violar os princípios da segurança jurídica e os subprincípios da proteção à confiança e da intangibilidade da coisa julgada, os dispositivos ultrajam a estabilidade das decisões e a previsibilidade que integra o âmago da sentença transitada em julgado. Ademais, mesmo que considerado o common law, não há sintonia de propósitos, vez que o contempt of court não encontra eco nas práticas universalizantes. A nefasta pretensão de fragilização do instituto da coisa julgada também encontra óbice na tentativa equivocada de motivar a estandardização nos precedentes do common law – voltados para o presente e moldados num processo individualizado, com prestígio ao contraditório e à ampla defesa – e na impossibilidade funcional do Judiciário – refém do panóptico jurídico e dos lugares institucionalizados do poder e da fala. A prática constitui uma violência simbólica ao direito. É preciso, assim, arrimar hermeneuticamente as teorias da decidibilidade, rompendo com o paradigma neoliberal e, com esteio na tradição, no direito da rua, na retomada do caráter literário (com um processo de reintelectualização e sepultamento da cultura manualesca dos moedeiros falsos) e do elemento humano (olvidado pela tecnificação), (re) fundar o direito.