Resumo:
Nenhum regime político autoritário sobrevive sem instrumentos jurídicos que organizem a aplicação de seus atos de exceção. Apesar dos governos militares terem se constituído por meio de um golpe civil-militar que destituiu o presidente João Goulart, durante os vinte e um anos de ditadura os generais que ocuparam a presidência da República jamais abandonaram a necessidade de dar aparência de Estado de Direito ao regime autoritário, sempre contando com o prestimoso verniz jurídico oferecido por seus juristas mais fiéis. Essa experiência autoritária exige uma análise sobre o papel desempenhado pelos juristas na construção de instrumentos normativos legitimadores da violência e da intolerância. Os juristas da ditadura assumiram a tarefa de organizar uma racionalidade jurídica destituída dos princípios que orientam o funcionamento do Estado de Direito, como a limitação do poder e a proteção das liberdades civis, políticas e sociais. No lugar de uma Constituição comprometida com o constitucionalismo, ajudaram a implantar uma engenharia constitucional fundamentada na doutrina de segurança nacional. Para realizar uma leitura crítica sobre a relação dos juristas com a ditadura militar, esta tese definiu sua análise em quatro momentos diferentes da atuação da comunidade jurídica, destacando a atividade “legislativa” daqueles que ajudaram a formular as leis e os atos de exceção; o trabalho teórico dos professores; a atividade judicial no âmbito do STF; e as ambiguidades dos advogados em relação ao Estado de exceção. O objetivo da tese é demonstrar que existiu uma cultura jurídica autoritária que influenciou a maior parte dos juristas durante a ditadura militar, sendo que essa postura se apoiou numa concepção instrumentalista do direito, que primeiramente autorizou o rompimento com a Constituição de 1946, para logo depois ajudar a definir uma engenharia constitucional autoritária que durante toda a ditadura militar serviu para dar uma certa aparência de Estado de Direito para os atos de exceção praticados pelos donos do poder. É claro que esse movimento não ocorreu sem rachaduras e, por isso mesmo, ao longo de toda a pesquisa também se destaca a atuação de juristas que romperam com a ditadura e passaram a condenar publicamente os atos de exceção. Contudo, apesar dos importantes casos de resistência no âmbito da comunidade jurídica, ainda assim é possível sustentar que uma cultura jurídica autoritária favoreceu uma maior conivência dos juristas com a exceção, contribuindo, assim, para o esfacelamento do Estado de Direito durante os anos de ditadura militar. Toda a análise crítica sobre essa relação dos juristas com a ditadura foi desenvolvida sob o marco teórico da Crítica Hermenêutica do Direito, de Lenio Streck.