Resumo:
O desenvolvimento das biotecnologias proporciona inegáveis desafios ao sistema jurídico que, amparado em uma lógica moderna fundada em certezas, opera sob uma complexidade não condizente com a sociedade contemporânea. A construção da forma geneticamente-aplicável/geneticamente-inaplicável assumida pela biotecnologia redunda na produção comunicativa de riscos biotecnológicos jamais identificados, passando-se a observar a sociedade desde a ótica da possibilidade de ocorrência de desastres pela reiteração da comunicação biotecnológica. Ao mesmo tempo, a semântica do medo originada pela percepção quanto à possibilidade de danos futuros coloca o risco biotecnológico como um elemento de fundamental relevância para construções de futuro. O Direito passa a contar com o risco como comunicação juridicamente perceptível, atribuindo-a um sentido próprio e, posteriormente, possibilitando a recursividade da comunicação jurídico-biotecnológica. Essa recursividade redunda na formação do Biotecnodireito como um subsistema jurídico delimitado pela sua tecnicidade particular ante a assimilação do biorisco. Estabelecido o Biotecnodireito como sistema-diferenciado-no-sistema-no-sistema, essa esfera parcial da comunicação jurídica passa a assimilar o risco biotecnológico desde construções internas especialmente delimitadas para tal finalidade. Particularmente localizam-se estratégias iniciais de temporalização do risco pelo Biotecnodireito, as quais conformam-se na delimitação da licitude/ilicitude do risco biotecnológico, na aplicabilidade do princípio da precaução, no princípio da equidade intergeracional e na assimilação da comunicação produzida pela bioética. Esses quatro elementos balizam o Biotecnodireito, permitindo a formação de novas estruturas tendentes a gestão do risco biotecnológico e a consequente reconstrução temporal do sistema jurídico. Amparado nesses quatro elementos, complexifica-se o sistema de responsabilidade civil, percebendo-se a possibilidade de desenvolvimento do que foi chamado de responsabilidade civil heterorreflexiva. Amparado em uma drástica modificação de suas estruturas tradicionais, sugere-se uma remodelação dos requisitos clássicos da responsabilidade civil, colocando-se a precaução como sua estrutura básica ante o risco biotecnológico e, com isso, permitindo-se a modelagem de um dano de risco biotecnológico e a assunção de um nexo de causalidade coletivo. Não obstante, tal construção vai ao encontro da policontexturalidade que caracteriza a sociedade contemporânea, exsurgindo a necessidade de estabelecimento de relações dialógicas entre ordens jurídicas conflitantes como estratégia final de gestão biotecnojurídica do risco biotecnológico, bem como permitindo a evolução do Direito por meio de uma constante simbiose temporal.