Resumo:
O Poder Judiciário, nos últimos dez anos, tem sido palco de reformas processuais que refletem, nos passos da Emenda 45/2004, a necessidade de aceleração dos procedimentos para atender ao primado da duração razoável dos processos judiciais. O tempo do processo, portanto, tornou-se critério ou medida da efetividade da prestação jurisdicional. O ritual estabelecido pelas reformas, contudo, tem na lógica da abstração e da subsunção instrumentos legitimadores daquele desiderato, o que faz do despojamento da análise do caso concreto um caminho necessário. Para respaldar essa lógica conceitual, os “espíritos mais práticos” têm invocado institutos experimentados pela tradição jurídica do common law, a exemplo do precedente, sem considerar o conteúdo historicamente diverso da tradição jurídica nacional. Por outro lado, o perfil da litigiosidade vem sendo desenhado pelo crescimento vertiginoso de conflitos, com um aumento expressivo de conflitos repetitivos, dando margem a uma litigiosidade excessiva e massificada. Diante desse cenário, cabe apurar se o modelo de tratamento do conflito oferecido pelo Estado é constitucionalmente adequado e compatível com a identidade do conflito social. Afinal, qual é a parcela de contribuição do rito processual frente à da crise da prestação jurisdicional? Abstrativizar a jurisdição, em um universo de conceitualismos, prescindindo do caso concreto, resolve as dificuldades enfrentadas pelo Judiciário frente ao excesso de litigiosidade? Qual o perfil, de fato, da litigiosidade no Brasil e de que modo ela afeta a prestação jurisdicional? É pela ressonância de tais questionamentos que a discussão ora proposta desenvolve-se e organiza-se em quatro capítulos, divididos em duas partes. Na primeira parte, composta do segundo e terceiro capítulos, a pesquisa investiga os dados do Relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça, publicado no período de 2004 a 2014, acerca das jurisdições federal e estadual, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, a fim de avaliar o comportamento da litigiosidade na medida em que as reformas processuais foram sendo implementadas. No capítulo seguinte, a contextualização das tradições romano-germânico-canônica e anglo-saxã é apresentada com o intuito de melhor compreender as reformas processuais já realizadas sobre o CPC após a edição da Emenda 45, bem como as reformas já anunciadas pelo novo CPC, a exemplo da manutenção da prática de julgamentos através de decisões paradigmas vinculantes (art.332) e do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (art.976), bem como com o intuito de avaliar sua real contribuição para o tratamento da litigiosidade caracterizada no primeiro capítulo. Por fim, na segunda parte da pesquisa, com o objetivo de ressaltar a compreensão hermenêutica dos conflitos, o trabalho se desenvolve no quarto capítulo com o estudo dos procedimentos coletivos, notadamente a fim de apontar a incompatibilidade dos institutos próprios do processo individualista frente aos direitos transindividuais (difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos). Neste âmbito do trabalho, serão analisados os avanços e recuos do procedimento coletivo no Brasil, notadamente acerca da evolução da legislação processual e pela análise dos legitimados ativos, da representatividade dos interessados, do princípio dispositivo e da extensão da coisa julgada, bem como das dificuldades relacionadas à proteção coletiva dos direitos individuais homogêneos. Ainda que as ações coletivas não sejam um “desatador de nós”, impõe-se uma mudança de paradigma ou de perspectiva política e sobretudo cultural do tratamento dos conflitos, para o quê o Brasil, talvez, ainda, não tenha obtido a devida maturidade. No capítulo final, a pesquisa busca amparo na hermenêutica filosófica como proposta de reflexão e de superação da operação abstrativista de aplicação do direito, distanciado de sua dimensão fático-histórica, que sustenta o que se pode chamar de um totalitarismo ou absolutismo dos tribunais superiores no Brasil, no regozijo do método subsuntivo, com a imposição dos precedentes judiciais, de caráter universalizante, como razões de decidir. À luz da hermenêutica filosófica e, portanto, sob a perspectiva heideggeriana e gadameriana, a pesquisa procura sustentar a crítica a este modelo de jurisdição de “conceitos sem coisas”, para recuperar a facticidade no processo de compreensão do conflito social, demonstrando a impropriedade das reformas processuais que instauraram a lógica da jurisdição seriada, eivada de práticas universalizantes e abstrativistas da prestação jurisdicional e instrumentalizada pela cisão entre a questão de fato e a questão de direito. O que deve ser avaliado e amplamente debatido é se tamanha afronta à tradição jurídica, simbolizada por uma engenharia jurídica da urgência, que acelera inadvertidamente o rito processual, dará cabo à problemática atinente aos extremos da litigiosidade no país e será de fato promotora do acesso à justiça, como reflexo do exercício da cidadania, compromisso mínimo este de um Estado que se pretende Democrático e de Direito.