Resumo:
O Direito Penal, eleito como instrumento privilegiado para o enfrentamento à imigração irregular por parte dos países nos quais esse fenômeno é mais evidente – destacando-se, na presente pesquisa, o caso da Espanha –, vivencia um momento de expansão, que decorre de um sentimento de “mixofobia” ou “medo de misturar-se” oriundo da construção dos imigrantes ilegais como “sujeitos de risco”. Essa “rotulação” decorre de alguns fatores principais como: a crise do modelo de Estado de bem-estar, que transforma os imigrantes em “parasitas” dos benefícios sociais destinados aos autóctones, a influência da mídia de massa na criação de pânico/alarma social a respeito de determinados temas relacionados à segurança, e os reflexos desses discursos midiáticos na política, particularmente após os atentados terroristas ocorridos em grandes centros urbanos no início deste milênio. Isso permite afirmar que o Direito Penal espanhol, que se expande em termos quantitativos para responder com eficácia aos novos problemas sociais da contemporaneidade – dentre os quais a questão da imigração irregular assume cada vez mais relevância – experimenta um movimento de retrocesso qualitativo, uma vez que assume traços ínsitos a um modelo de Direito Penal de autor, assentado em medidas punitivas de cunho altamente repressivista e segregacionista voltadas aos imigrantes, o que resta evidenciado pela proliferação de tipos penais que preconizam a exclusão (expulsão) desse público-alvo em detrimento da sua integração, bem como pelos delitos de solidariedade. A obra de Michel Foucault e Giorgio Agamben, nesse rumo, é utilizada para a compreensão de como a vida do imigrante – particularmente aqueles que se encontram em situação irregular – se converte em vida nua em um ambiente biopolítico no qual o estado de exceção se converte em paradigma dominante de governo. Essa análise visa a compreender os (des)caminhos das políticas migratórias brasileiras. O Brasil, ao se consolidar como uma das mais importantes economias mundiais, passa a atrair a atenção dos estrangeiros – particularmente em virtude do cerramento das fronteiras europeias. No entanto, situações recentes envolvendo a imigração no país demonstram que o país também vem adotando nesse setor uma política securitarista e autoritária, responsável pela transformação do migrante em homo sacer. Nesse rumo, a experiência espanhola pode servir como paradigma “negativo” para a compreensão do tema da imigração no Brasil, de forma a evitar influências derivadas do modelo gestado a partir da mixofobia. Nesse rumo, questiona-se se a lógica dos direitos humanos que subjaz à construção dos Estados Democráticos de Direito e dos marcos regulatórios minuciosos acerca do tema da imigração funcionam efetivamente ou se são, reflexamente, a principal fonte da produção de vida nua. A proposta de profanação agambeniana é então colocada como condição de possibilidade para uma nova perspectiva de análise da questão.