Resumo:
A complexidade que envolve as nanotecnologias acaba afastando esse tema do âmbito jurídico. O Direito tem dificuldades para enfrentar o desconhecido e se adiantar às consequências de danos futuros. Isso ocorre porque a classificação do que é jurídico vem sempre atrás dos fatos, formalizada na regra jurídica. Esse cenário aponta à necessidade de uma ressignificação da concepção vigente sobre fato jurídico, conceito que no Brasil foi cunhado por Pontes de Miranda. Diante desse quadro, a tese propõe a ressignificação hermenêutica do fato jurídico ponteano com o objetivo de possibilitar a juridicização do fato nanotecnológico a partir da adoção de um novo modelo interpretativo e de uma nova concepção de regra jurídica e incidência. A juridicização aqui tem um sentido de preocupação e cuidado com o ser-humano, que é a essência do progresso nanotecnológico, diante dos possíveis riscos das nanotecnologias, em especial no tocante aos nanoalimentos. A hipótese inovadora é que essa juridicização pode ser viabilizada pela substituição do método pela filosofia, com base nos aportes da hermenêutica de Heidegger e Gadamer e com base na revolução normativa proposta como marco regulatório para as nanotecnologias por Engelmann. No que diz respeito ao método, é adotado o método de abordagem fenomenológico-hermenêutico, cuja investigação considera o sujeito no seu acontecer, e não separado como um objeto de estudo, analisado por um sujeito que não sofre as consequências destas transformações. Quanto aos métodos de procedimento, são utilizados o método histórico, comparativo e estudo de casos. Como técnica de pesquisa, utiliza-se a pesquisa bibliográfica, com análise e revisão de doutrina nacional e estrangeira sobre o tema. É realizada, ainda, pesquisa documental, que abrange as propostas de marcos regulatórios no Brasil, nos Estados Unidos e União Europeia, bem como iniciativas para redução de riscos propostas por organizações internacionais, governamentais e não governamentais. Utiliza-se ainda a coleta de dados sobre nanoprodutos, em especial produtos alimentícios com nanoprata já produzidos e comercializados no mundo. Para tanto, utilizou-se como recurso a ferramenta de pesquisa do inventário formado pelo Projeto sobre Nanotecnologias Emergentes, sendo que a pesquisa efetivada sobre a relação cadastrada até outubro de 2013 apontou 41 produtos da categoria "alimentos e bebidas" com "nanoprata". Como resultado da pesquisa verificou-se que é possível a ressignificação hermenêutica da concepção ponteana de fato jurídico sob algumas condições: a) a substituição do modelo subsuntivo-dedutivo da Teoria do Fato Jurídico pelo modelo circular proposto pela hermenêutica filosófica, que permite interpretação mais adequada a cada caso, abarcando assim as múltiplas facetas das nanotecnologias; b) a formação de uma pré-compreensão sobre o fato nanotecnológico, estruturada pela tradição já institucionalizada nos Direitos Humanos e Constituição Federal, e complementada por outros textos normativos e documentos internacionais que permitem o diálogo entre diversos intérpretes e atores que fazem parte da Revolução Nanotecnológica. Preenchidas as condições, a juridicização do fato nanotecnológico ocorre independentemente de um suporte fático previsto em uma regra jurídica, mas a partir de uma pré-compreensão que se forma para o ser-no-mundo quando, além de resgatar a tradição, consegue acessar o mundo nanotecnológico, transformando-se no ser-no-mundo-nanotecnológico.