Resumo:
A presente pesquisa consiste em um estudo em que propomos um olhar voltado para a linguagem em uso no domínio jurídico. Nosso referencial teórico foi a Semiolinguística, a partir do pensamento do linguista francês Patrick Charaudeau, que propõe um modelo de análise do fenômeno linguageiro com base nos três níveis que o constituem: o situacional, o discursivo e o semiolinguístico, bem como o aporte da Análise Textual dos Discursos. Partindo do entendimento de que a linguagem é um fazer que envolve a participação de sujeitos que interagem socialmente e, dessa interação, se produzem os sentidos, nos concentramos em compreender as questões situacionais, discursivas e textuais envolvidas na produção do ato de linguagem no domínio jurídico. Elegemos como corpus um texto extraído de um processo judicial, cuja decisão do Supremo Tribunal Federal estabeleceu um novo paradigma jurisprudencial brasileiro para os casos de gravidez de feto anencefálico. Trata-se do gênero discursivo Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54-8, no qual o locutor, ao sustentar que antecipação terapêutica de parto de feto anencefálico não é aborto, se opõe ao discurso dominante, consagrado pela legislação penal brasileira (artigos 124,126, caput e 128, inícios I e II) que tipifica a interrupção de gravidez como crime de aborto. A adesão do Estado-juiz (destinatário, representado na pessoa do Ministro Presidente do Supremo Triunal Federal) à proposta envolveu, por parte do locutor-advogado, no plano textual, um exercício linguístico em que a organização argumentativa do discurso orientou-se para a defesa de uma tese contrária ao que rege a legislação penal brasileira: antecipação terapêutica de parto de feto anencefálico não é aborto. Nosso interesse, portanto, recaiu sobre os aspectos subjacentes à produção do ato linguageiro por parte do locutor, como resultado do entrelaçamento entre os níveis de análise de que nos fala Charaudeau. No nível situacional, nos interessaram verificar as questões pertinentes ao contrato de comunicação e ao projeto de fala; no discursivo, o modo de organização argumentativo, típico dos textos jurídicos, e no semiolinguístico, os elementos presentes no plano textual, como o papel das anáforas, dos operadores argumentativos e modalizadores. E, ainda, as categorias linguísticas que denunciam a responsabilidade enunciativa, tudo em cooperação no texto para produção dos sentidos.