Resumo:
Uma das maiores perturbações ambientais e bióticas durante o Fanerozóico ocorreu na transição Cretáceo-Paleogeno (K-Pg), pelo que incontáveis trabalhos acadêmicos têm procurado compreender a cronologia, os mecanismos e consequências deste evento global. Entretanto, apenas alguns trabalhos têm documentado mudanças significativas nos ambientes marinos antes do limite K-Pg, explicadas por uma combinação de eventos paleoceanográficos e tectônicos de escala regional a global. Esta pesquisa procurou reconstruir as condições paleoambientais de diversas localidades com sedimentos do Maastrichtiano, ao longo da margem equatorial da América do Sul. Procurando obter
um melhor conhecimento das massas de água de latitudes baixas durante aquele intervalo do tempo, foram aplicados diferentes métodos micropaleontológicas (foraminíferos) e geoquímicas (razoes elementais em sedimentos, isótopos de carbono) de alta resolução em unidades marinhas rasas do norte da América do Sul, e também em testemunhos de águas profundas do Oceano Atlântico tropical. Duas localidades do Maastrichtiano da Colômbia foram estudadas: (1) Testemunho Diablito-1E (Formação Colón, Bacia de Cesar-Rancheria), e (2) a seção do Riacho Aguablanca (Formação Umir,
Vale Médio de Magdalena). As associações de foraminíferos foram dominadas por espécies bentônicas (Biozonas regionais do Maastrichtiano Siphogenerinoides bramletti e Ammobaculites colombiana), enquanto as associações planctónicas foram representadas principalmente por Guembelitria cretacea e heterohelicidos. Com o propósito de obter uma ampla compreensão das condições paleoambientais nas duas localidades, os conteúdos de nanofósseis calcários e ostracodes também foram considerados nas interpretações. Apesar do potencial destes grupos de organismos fósseis, elestêm sido pouco explorados nesta região. A integração da informação micropaleontológica e diferentes razoes elementares (Zr/Rb, Fe/Ca, V/Cr, Sr/Ba) nos sedimentos das duas localidades, permitiu a identificação de uma transição de ambientes de plataforma interna, com águas de fundo moderadamente oxigenadas, e gradando para condições marinhas rasas, associadas a um maior aporte de material terrígeno. Essas mudanças ambientais estiveram relacionadas à evolução geológica dos mares epicontinentais que dominaram o norte da América do Sul, e que, gradualmente desapareceram devido a oscilações eustáticas, e a ativação da orogenia Andina, desde o começo do Maastrichtiano. Dois testemunhos de águas profundas foram analisados para identificar mudanças paleoambientais no Oceano Atlântico tropical: (1) Ocean Drilling Program (ODP) Hole 1258A (Alto de Demerara), e (2) ODP Hole 1001B (Alto de Nicarágua). A análise micropaleontológico e geoquímico de alta resolução no Hole 1258A sugeriu a ocorrência de mudanças paleoambientais ao longo do Maastrichtiano, relacionada a perturbações na oxigenação das massas de água intermedias-profundas e à produtividade superficial, assim como um episódio súbito de dissolução de carbonatos no
Maastrichtiano inicial. Taxa específicos (Aragonia, Nuttallides truempyi, Coryphostoma, Strictoscomella) e a distribuição de metais sensíveis (Ni, Cu) à oxigenação da água ao longo do testemunho, sugerem a ocorrência de condições subóxicas nos sedimentos de fundo, e pulsos de oxigenação durante o mid-Maastrichtian Event (MME), identificado por um registro de alta resolução de isótopos estáveis de carbono (δ13C). Razões elementais(log(Fe/Ca), Si/Ti, Fe/K) indicaram variações no aporte de sílica e carbonatos biogênicos via produtividade superficial, e prováveis perturbações hidroclimáticas desde o Maastrichtiano inicial. As perturbações de produtividade superficial e na oxigenação de águas de fundo no Alto de Demerara estariam relacionadas com o MME e com o começo do evento de aquecimento do Maastrichtiano tardio, ambos conectados com uma maior
influência de massas de águas profundas, oriundas de latitudes altas, nos trópicos, além de possíveis migrações da paleo-Zona de Confluência Intertropical (PZCIT). Em contraste, reconhecer mudanças paleoambientais no Hole 1001B foi mais complexo por causa da intensa diagênese, dificultando um melhor diagnostico dos foraminíferos batiais que foram reconhecidos. Entretanto, esse registro sedimentar foi suficientemente sensível para capturar o limite K-Pg no registro de δ 13C, enquanto variações sutis na produtividade superficial e da oxigenação de águas de fundo durante o Maastrichtiano tardio foram registradas por diferentes razoes elementares dos sedimentos (log(Fe/Ca), Si/Al, Ba/Al, Fe/K) e o conteúdo de metais sensíveis às condições redox (Ni, Zn, V). Finalmente, as concentrações do mercúrio (Hg) como um indicador de vulcanismo de grande magnitude foram estudadas em três localidades: Diablito-1E, ODP Hole 1258A e ODP Hole 1001B. Por causa do ambiente marinho raso e o pouco conhecimento do vulcanismo regional da América do Sul durante o Maastrichtiano, as concentrações de Hg em Diablito-1E não puderam ser associadas com eventos vulcânicos exclusivos (Deccan ou vulcanismo regional). De qualquer forma, análises de δ13C, primeiras em rochas maastrichtianas desta região, sugerem seu potencial para registrar perturbações
no ciclo global do carbono. Os registros sedimentares dos testemunhos ODP Hole 1258A e ODP Hole 1001B também apresentaram variações significativas no conteúdo de Hg ao longo do Maastrichtiano, as quais não somente evidenciariam a influência dos episódios vulcânicos da Província de Deccan, más também de episódios pouco estudados na região caribe durante o Maastrichtiano tardio. O impacto que aqueles episódios vulcânicos puderam ter no clima em baixas latitudes é uma oportunidade de pesquisa promissora. Em conclusão, todos os resultados obtidos nesta investigação ilustraram a sensibilidade climática que América do Sul teve durante o Maastrichtiano, uma consequência da incrivelmente complexa história geológica desta área ao longo do Cretáceo tardio.