Resumo:
As mulheres negras demarcam a escrita como um ato político. As narrativas possibilitam compreender as experiências de mulheres negras que entrecruzam o pessoal e o social, produzindo conhecimento que extrapola os traçados rígidos, fechados e quantificáveis da ciência moderna. O Racismo é um sistema estruturante que constitui as relações sociais nesse país, fundamentando desigualdades, baseadas na raça ou etnia. O objetivo geral dessa pesquisa é analisar as trajetórias de mulheres negras doutoras, considerando suas posições no espaço acadêmico e científico da saúde coletiva. A pesquisa tem delineamento qualitativo, em nível exploratório, foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa. Os instrumentos de produção de dados foram questionário de identificação sociodemográfica, entrevistas narrativas biográficas e anotações em caderno de campo. Para interpretação dos dados utilizou-se da hermenêutica, à luz do conceito de escrevivência de Conceição Evaristo. Foram entrevistadas três mulheres negras, duas autodeclaradas pretas e uma parda, no período de agosto a outubro de 2023. As entrevistas aconteceram em locais escolhidos pelas participantes da pesquisa, duas cafeterias/livrarias, localizadas em um bairro na cidade de Porto Alegre/RS e uma entrevista via Google Meet. As narrativas foram gravadas e após a gravação, foram transcritas para um arquivo Word. As três mulheres construíram suas carreiras acadêmicas em cursos na área da saúde, com doutorado e/ou pós-doutorado na Saúde coletiva. Atualmente são docentes em Instituições de Ensino Superior, atuam em movimentos sociais, em coletivos da negritude e desenvolvem outras ações além da docência. As narrativas densas e repletas de situações marcantes, revelaram episódios de racismo na trajetória acadêmica das colaboradoras. Desde o período de formação até a pós-graduação, as entrevistadas foram vítimas de racismo, que se apresentou de formas distintas durante o percurso acadêmico, característica do “racismo à brasileira”. Já atuando como docentes, foram confundidas com a equipe responsável pela limpeza do prédio e, por vezes, com estudantes da graduação. As docentes relataram que, por suas escolhas quanto ao referencial teórico adotado em suas pesquisas, tiveram suas produções acadêmicas colocadas em dúvida. Embora tenham sido vítimas machismo e racismo durante suas trajetórias, não desistiram e continuaram abrindo portas para outras pessoas negras. Produzem conhecimento, demarcando suas posições acadêmicas, ocupando lugares de coordenadoras de projetos. A luta contra o racismo deve se estender para todas as demandas sociais e na academia essa luta não é diferente. É urgente a implementação de ações afirmativas em todos os programas de pós-graduação e cumprimento da lei de reserva de vagas para pessoas pretas em concursos do magistério superior.