Resumo:
Em um contexto histórico de crise de saúde pública no Brasil, o primeiro ano de pandemia de Covid-19 foi marcado pela defesa de pautas científicas e anticientíficas. De um lado, vivenciamos a disseminação desenfreada de fake news e teorias de negação ao conhecimento científico; de outro, acompanhamos o árduo trabalho dos cientistas na busca por vacinas e tratamento da Covid-19 e dos divulgadores científicos na atividade de comunicação pública da ciência ao público não especializado. As redes sociais desempenharam um papel essencial nessa conjuntura para informar os resultados das pesquisas sobre a Sars-CoV-2, mas também facilitaram a promoção da desinformação e de discursos negacionistas. O biólogo e microbiologista Atila Iamarino está entre os principais divulgadores científicos que ganharam notoriedade pelo trabalho de divulgação da ciência e conquistaram outros espaços da mídia nesse período. Entretanto, o rompimento da bolha de divulgação, marcado por sua participação em março de 2020 no Programa Roda Viva, acarretou inúmeros ataques de violência verbal a sua pessoa enquanto porta-voz da ciência. Eles foram realizados por indivíduos que negam a ciência, fenômeno ocorrido principalmente como resposta a tuítes de divulgação científica publicados por @oatila na rede social digital Twitter. Frente a esse cenário, é objetivo desta pesquisa identificar e analisar marcas tecnodiscursivas de ciberviolência em comentários-troll realizados nas publicações do divulgador científico Atila Iamarino sobre a Covid-19 no Twitter e verificar a sua relação com a ampliação tecnodiscursiva. Para o cumprimento de tais objetivos, temos como base os pressupostos de Fiorin (2017) e Perelman e Tyteca (2005), no que diz respeito aos argumentos que visam exclusivamente desqualificar o adversário, as reflexões de Seara (2015, 2017, 2020, 2021) e Cabral (2015, 2017a, 2017b, 2018, 2019) sobre as interações conflituosas nas redes sociais, e as características descritas por Charaudeau (2009, 2016) do discurso de divulgação científica. Com o intuito de refletir teoricamente sobre a ciberviolência discursiva, adotamos a Teoria do Discurso Digital (ADD) proposta pela linguista francesa Marie-Anne Paveau (2013, 2015, 2016, 2017, 2021). A pesquisa define-se metodologicamente como exploratória, bibliográfica e com abordagem dialética, e tem como recorte para a geração dos dados o período de janeiro a junho de 2020. Identificamos em nossa análise quantitativa 2.026 comentários-troll dirigidos a @oatila durante esse período, sendo 900 deles concentrados nos tuítes do mês de abril. Desse modo, analisamos qualitativamente os 4 tuítes com mais comentários-troll desse mês e os 5 primeiros comentários de cada um deles, totalizando 20 comentários-troll. Verificamos que a ciberviolência discursiva se manifesta por elementos tecnolinguageiros, numa relação compósita e intrínseca entre usuário-dispositivo-ecossistema. Em relação ao processo de ampliação da discussão sobre a Covid-19, conjecturamos que não há uma troca produtiva entre esses usuários e @oatila, pois eles têm como único objetivo atacá-lo agressivamente, negar o conhecimento científico divulgado, defender pautas anticientíficas e um posicionamento político-ideológico. Portanto, a ciberviolência discursiva praticada dentro de um espaço essencialmente polarizante pode originar-se de uma forma de doxa instituída por um conjunto de comentários-troll dentro do ecossistema Twitter.