Resumo:
O presente trabalho, intitulado Os processos de retextualização e de construção de sentidos em audiências cíveis de instrução e julgamento, visa a investigar os textos oral e escrito como eventos comunicativos e de produção de sentido dentro das ações discursivas da linguagem, a partir da interface da Análise da Conversação e da Linguística Textual com o Direito. Tal enfoque se reveste de especial importância no universo jurídico e da linguagem, uma vez que se tem na audiência de instrução e julgamento uma conversação formal em um contexto institucional, voltada principalmente para a produção de prova oral, que, via de regra, é transformada em texto escrito, para posterior exame e valoração pelo juiz por ocasião da sentença judicial. Nesse contexto, o objetivo desta pesquisa é analisar os processos de retextualização e de construção de referentes que ocorrem na passagem do oral para o escrito, ou seja, da oitiva da testemunha para o registro escrito do depoimento que integra o processo judicial. Constitui-se em um estudo qualitativo e de caso, alicerçado em dois campos de investigação: a Análise da Conversação (MARCUSCHI, 1999), de perspectiva textual-interativa, e a Linguística Textual, especificamente com as noções de retextualização e referenciação (JUBRAN, 1992, 2006; KOCH, 1998, 2002, 2006, 2008, 2015, 2017; MARCUSCHI, 2001, 2008, 2010; MONDADA, DUBOIS, 2003, 2015). O corpus de pesquisa é constituído por três transcrições gravadas em áudio de depoimentos de testemunhas prestados em duas audiências cíveis de instrução e julgamento, bem como pelos registros escritos desses depoimentos, coletados no âmbito do Poder Judiciário Estadual. A análise desse corpus permitiu constatar que a retextualização empreendida pela juíza resulta em uma considerável redução linguística e informacional na versão escrita dos depoimentos, que também é a mais formal. Embora sejam frequentes as retomadas correferenciais anafóricas e dêiticas nos textos falado e escrito, é na tomada de depoimento, produto da fala, que se identifica um maior número e variedade de estratégias referenciais, o que sinaliza diferentes formas de construção de sentidos quando se passa do texto prototipicamente oral em questão para o texto retextualizado escrito, o termo de depoimento de testemunha. Dessa forma, é possível observar que a retextualização realizada pelo juiz, em situação de oitiva de testemunhas em audiências cíveis de instrução e julgamento, influencia consideravelmente o registro escrito dos depoimentos por meio do apagamento dos processos de coconstrução dos objetos de discurso e de muitas estratégias referenciais no texto escrito, o que depende, em grande parte, das “decisões interpretativas do juiz”. (ALVES, 1992).