Resumo:
Os cachalotes, Physeter macrocephalus Linnaeus, 1758, são amplamente distribuídos por todos os oceanos do mundo. Todavia, os machos e fêmeas têm diferenças marcadas em seu padrão de distribuição. Globalmente, estudos genéticos, ecológicos e de comportamento vocal comparando populações sugerem a existência de uma forte estrutura social matrilinear com alta filopatria das fêmeas nas regiões tropicais, sendo o fluxo gênico mediado pelos machos. As populações do oceano Atlântico Sul Ocidental (ASO) ainda são tidas como as menos pesquisadas e conhecidas. A fim de identificar possíveis unidades de manejo da espécie na região, o presente estudo apresentou a primeira análise da diversidade genética e a avaliação da potencial estruturação das populações de cachalotes ao longo do ASO, utilizando sequências da região controladora do DNA mitocondrial (DNAmt) de 565 pb obtidas de amostras coletadas na região. Além disso, objetivou-se também estabelecer as relações filogeográficas entre estas populações do ASO e as do resto do mundo. Para a realização deste estudo foram analisadas 58 amostras de cachalotes de três áreas geográficas na costa brasileira (nordeste =15, sudeste =3, sul = 36) e uma da costa argentina (n = 4), e comparadas com 1.577 sequências de outros oceanos, disponíveis publicamente no GenBank (Atlântico = 362, Índico = 159 e Pacífico = 1.056). Além disso, o sexo de 39 espécimes foi determinado molecularmente, a fim de se testar a existência de mais de uma população de cachalotes no ASO, a partir da detecção de fêmeas em áreas além do nordeste brasileiro. A análise das sequências do DNAmt revelou a existência de quatro grupos genéticos e sete haplótipos no ASO. As diversidades haplotípica (Hd) e nucleotídica (π) observadas para a espécie como um todo no ASO foram Hd = 0,6824 e π = 0,002296, respectivamente. Os testes de neutralidade seletiva não sugeriram mudanças significativas no tamanho efetivo e nem expansão populacional recente da espécie no ASO. Os resultados das análises de variância molecular (AMOVA) revelaram que entre 9,14% (ΦST) e 12,31% (FST) da variação genética observada deve-se a diferenças entre as populações. Contudo, essa diferenciação geográfica só foi significativa entre as populações do nordeste e sudeste-sul do Brasil, as quais possuíam altos índices de fixação entre si (nordeste e sudeste-sul do Brasil: FST = 0,1089; ΦST = 0,1378; nordeste do Brasil e Argentina: FST = -0,1076; ΦST = -0,0512; sudeste-sul do Brasil e Argentina: FST = 0,0742; ΦST = 0,1206; P<0,00001). A população do nordeste do Brasil apresentou a diversidade genética mais baixa do estudo (Hd = 0,5128 e π = 0,001796), quando comparada com as populações do sudeste-sul (Hd = 0,6659 e π = 0,002482), e Argentina (Hd = 0,8333 e π = 0,002043). A costa sudeste-sul do Brasil apresentou três haplótipos exclusivos num total de sete, enquanto a costa da Argentina apresentou um haplótipo particular. Apenas a região sudeste-sul apresentou um grupo genético exclusivo, sugerindo que a distribuição da variação genética é melhor compreendida com a existência de três grupos ao longo do ASO (nordeste, sudeste-sul e Argentina), os quais seriam considerados diferentes unidades de manejo. Em relação a comparação mundial entres as populações de cachalotes, foram recuperados 39 haplótipos e quatro grupos genéticos, sendo que apenas o oceano Pacífico apresentou um grupo genético exclusivo. A AMOVA revelou que entre 8,89% (FST) e 16,39% (ΦST) da variação genética observada deve-se a diferenças entre as populações do mundo. A AMOVA indicou que há diferenciação geográfica entre o ASO e os demais oceanos, os quais possuíam altos índices de fixação entre si (ASO e Atlântico Norte: FST = 0,1837; ΦST = 0,3142; Atlântico Sul Ocidental e Índico: FST = 0,0898; ΦST = 0,1661; Atlântico Sul Ocidental e Pacífico: FST = 0,1140; ΦST = 0,0757; P<0,00001). A amostra unificada do oceano ASO não apresentou haplótipos exclusivos. Entretanto, os indivíduos da região sudeste-sul do Brasil compartilharam seis dos seus sete haplótipos com a população do oceano Pacífico. Dos 39 cachalotes com sexo determinado molecularmente nove eram machos e 30 fêmeas, tendo sido encontradas 18 fêmeas na região sul, fora da região tropical, sugerindo que há pelo menos mais de uma população reprodutiva no ASO. Estes resultados, aliados as diferenças de variabilidade genética e ao pouco compartilhamento de haplótipos entre as populações estudadas, sugere que os cachalotes do sudeste-sul do Brasil seriam uma unidade de manejo, potencialmente isolada em termos reprodutivos das demais. Contudo, o DNAmt é um marcador matrilinear e apresenta exclusivamente a história evolutiva das fêmeas. Desta forma, a continuidade destes estudos, incluindo novas amostras e marcadores nucleares, será fundamental para a identificação de reais unidades de manejo da espécie no ASO e principalmente em águas brasileiras.