Resumo:
O aumento das concentrações de CO2 atmosférico no último século deve impactar a produtividade primária dos ecossistemas. Esse efeito pode ser direto e positivo, devido a um mecanismo de fertilização, ou de modo indireto (positivo ou negativo) através de mudanças climáticas. Evidências sobre variação no balanço de carbono de florestas nas últimas décadas indicam respostas neutras em regiões boreais, positivas em regiões temperadas e negativas nos trópicos. Especificamente para florestas subtropicais há pouca evidência acerca de como a produtividade primária responde a esses fatores de mudança global. Nesse trabalho, investigamos como a produtividade primária de uma conífera arbórea dominante em florestas subtropicais úmidas do SE da América do Sul (Araucaria angustifolia) tem sido afetada ao longo do último século pelas concentrações de CO2 e consequentes alterações climáticas. Para uma população dessa espécie, testamos a validade das seguintes hipóteses: (i) o incremento de CO2 atmosférico afeta a taxa de fixação de carbono indiretamente, através do impacto do aquecimento global nos regimes regionais de temperatura e precipitação; e (ii) além desse efeito indireto, o incremento de CO2 afeta diretamente a taxa de fixação de carbono através de um mecanismo de fertilização. Para uma amostra inicial de 25 árvores de A. angustifolia de 0,33 ha de floresta subtropical madura no sul do Brasil, estimamos séries de incremento anual de carbono no lenho de 14 árvores, a partir de séries dendrocronológicas codatadas de largura de aneis (de um estudo preexistente) e de densidade de aneis (por densitometria de Raios X); e equações hipsométrica (ajustada à população local) e volumétrica (geral para a espécie). As séries individuais foram combinadas numa série média de índices de incremento de carbono (vetor I), filtrando previamente tendências ontogenéticas (pela Curva Regional de Padronização) e autocorrelação temporal (por modelos autoregressivos). Comparando I à séries regionais de temperatura média e precipitação total (estimativas do CRU TS4), através de Função de Correlação, selecionamos variáveis climáticas relacionadas à fixação de carbono (matrizes P e T). Dados instrumentais de concentração de carbono atmosférico (NOAA EARL) e estimativas de temperatura global (CRU TEM4) compuseram as matrizes C e A, respectivamente. Finalmente, a validade dos modelos causais descrevendo as relações entre as matrizes I, T, P, A e C segundo as diferentes hipóteses de estudo, foi testada por Análise de Caminhos. A cronologia de índices residuais de incremento de carbono obtida cobriu o período 1890 a 2014, com médias de rbar = 0,27 e EPS = 0,77. Nas análises subsequentes consideramos o período de 1901 a 2008 (período comum com as séries climáticas). Ambos modelos não foram rejeitados na Análise de Caminhos (P > 0,1), sendo o modelo que representa a hipótese i considerado mais plausível pelo maior p-valor para a estatística C de Fisher (Fisher-C = 9,25, gl = 10, P = 0,508). Nesse modelo, o aquecimento global decorrente da elevação do CO2 afeta negativamente o incremento de carbono em A. angustifolia através da elevação da temperatura de maio prévio na região. Além deste fator climático, as precipitações de março e junho prévios afetam a fixação de carbono de modo positivo, porém ambas não são influenciadas pelo CO2 através do aquecimento global. Em conjunto, as variáveis climáticas explicaram 19% da variação temporal do incremento de carbono das árvores. Esses resultados demonstram que, apesar do conhecido impacto positivo do aumento do CO2 na eficiência do uso água nessa espécie (e sítio) isso não se traduz em maior produtividade primária, possivelmente pelo carácter ombrófilo do clima regional. Por outro lado, a mudança para outonos com temperatura mais elevadas tem resultado em menor produtividade primária de A. angustifolia ao longo do último século. Sendo esta espécie dominante e com papel chave na estrutura trófica, este efeito negativo da mudança climática na sua produtividade, possivelmente, pode impactar indiretamente a estrutura e o funcionamento dos ecossistemas em que insere.